O paradoxo da informação

Por Ricardo Azeredo, para Coletiva.net

Ricardo Azeredo - Divulgação

Penso que até Darwin ficaria perplexo diante desta realidade. Evolução ao contrário, 164 anos depois da publicação da sua polêmica e revolucionária teoria. Ouso afirmar que a internet teve impacto semelhante à Revolução Industrial, guardando-se as realidades de cada época.

Na esteira da rede mundial veio o avanço tecnológico vertiginoso que nos deu os celulares e depois os smartphones. Qual maravilha pode ser comparada a esta engenhoca que todo mundo tem, cabe no bolso e transforma cada ser humano numa fonte de acesso, criação e geração de informação praticamente inesgotável?

Todo o conhecimento da humanidade na palma da mão, instantaneamente, de graça, ou por um custo insignificante diante do significado desta benção. Porém o Santo Graal da comunicação parece ter se transformado numa Caixa de Pandora.

Destampada, fez com que as infinitas possibilidades de crescimento pessoal - e de uma sociedade como um todo - através da busca pelo verdadeiro conhecimento abrissem o caminho para o pântano onde vive o lado lúgubre de cada um. E de lá emergiu o monstro que subverteu a luminosa conquista tecnológica numa sombria ferramenta a serviço do pior de nós.

E aí está o paradoxo. Temos na mão uma dádiva antes impensável. Mas em pleno século XXI a usamos como nativos incultos ou ogros brutais. O mundo virtual, nem sempre virtuoso, se mistura à vida ao ponto de gerar confusão sobre o que tem o mesmo valor ou é real ao nosso redor.

Por que preferimos usar esta benesse fantástica para, em vez da luz do saber, optar pela  escuridão em máscaras para perpetrar ataques virulentos e traiçoeiros, disseminar mentiras, proliferar idéias e conceitos sabidamente desastrosos, multiplicar falsidades escancaradas, aviltar relações, desmoralizar com dissimulação cruel e gratuita?

Por que valorizamos absurdos evidentes, acreditamos em estultices e as replicamos indefinidamente, sem refletir, como se isso desse um prazer viciante?

Por que dedicamos horas valiosas de nossa existência, negando até a vital convivência com a família e amigos, mergulhados em fontes de divulgação francamente vazias ou em aplicativos escapistas e absolutamente fúteis que nos transformam em bobos produzindo performances igualmente bobocas que exibimos ao mundo?

Como resposta conveniente sempre teremos a tal natureza humana, com suas iniqüidades e contradições. Mas não tenho dúvidas em afirmar que a decadente educação que as últimas gerações de brasileiros receberam esteja por trás disso tudo. Somos uma nação emburrecida, embrutecida.   

Pelo menos nos últimos 40 anos regredimos dramaticamente, na contramão da evolução mundial. Ao contrário dos países desenvolvidos, transformamos professores de todos os níveis em sub-categoria, escolas viraram peso morto desdenhado nos orçamentos públicos, universidades se tornaram atacadões de educação paga ou centros gratuitos de militância política; substituímos o valor do conhecimento consistente e essencial pela enebriante alegoria do entretenimento barato e imbecilizado das programações "populares" de TV e rádio, pela frivolidade das redes sociais e por aí vai.

Abusando da incrível liberdade de expressão que este universo nos proporciona, relativizamos e até demonizamos valores antes inexpugnáveis em nome de narrativas sem base alguma. A fatura chegaria algum dia. 

Não é à toa que hoje jovens e adultos se lançam em guerras insanas e fratricidas pela internet sem nenhuma parcimônia, constrangimento ou régua moral. E vão minando o futuro ao dar o exemplo para seus filhos. Até mesmo gente com mais de 50, 60 anos se deixa levar pelas diatribes da web.

Com os celulares e o falatório raso das redes sociais veio a implacável portabilidade da ignorância, com a violência verbal e outras manifestações que fariam Darwin questionar a teoria que defendeu ferozmente numa época de trevas. Tudo isso reverbera na mídia em geral, espelho implacável do perfil de uma sociedade. E assim o processo vai se cristalizando, dia após dia.

Não é um horizonte muito estimulante, para frustração de Darwin e de todos que acreditaram ao longo da história na evolução do ser humano. Mas há esperança. Quem souber valorizar o verdadeiro conhecimento e toda riqueza que há nele, e mantiverem os seus firmes nesta estrada, saberão utilizar os fascinantes gadgets que a ciência nos dá para honrar o que de melhor ainda resiste em cada um de nós, e aí sim, evoluir de verdade. 

Ricardo Azeredo é jornalista e atua na Comunicação do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS).

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