Uma discussão antiga

Por Iraguassu Farias, para Coletiva.net

Iraguassu Farias

A noite de terça-feira foi estressante. Chuva de mensagens, indagações, dúvidas...Mas como? Não pode ser verdade. Quem falou? Onde saiu?

E assim ela transcorreu, nervosa. Misto de dever de informar com amplitude da notícia. O que noticiar exatamente?

Aqui uma pausa, sem entrar no mérito do certo ou errado, para dizer que é impressionante como ainda têm pessoas no meio da Comunicação que são verdadeiros "sem noção". Ou querem lacrar, pra usar termos atual. Falta-lhes senso de respeito, de conveniência, de enquadro, de se dar conta do momento e das circunstâncias. Acho que fazem parte de um séquito de imbecis que grassam por aí depois que abriram a tampa do esgoto.

Ontem morreu um jornalista bastante conhecido. Jornalista de vídeo e áudio, por isso com grande visibilidade. Na grande maioria das mensagens, as manifestações sobre ter sido ótimo e alegre colega. Geralmente quando alguém morre é comum se listar as coisas boas, as virtudes, pois a morte por si só é algo doloroso, para a ela se somar a lista dos defeitos e das mazelas do de cujus.

A dor de quem fica é muito grande, especialmente se a ausência acarretar mais do que apenas a saudade. No caso de ontem, sabe-se, três crianças. E os que são filhos, pais e avós, sabem ao que me refiro. Durante o dia pipocam ainda as repercussões do acontecido, seja pela morte de Voltaire Porto, seja pelas circunstâncias dela. 

E tal qual o delegado quer saber com quantos tiros e à que distância foram dados os que almejaram uma vítima de assassinato, muitos do meio da Comunicação  queriam saber do que morreu. Como foi? Acidente, ataque cardíaco? Afinal, tão novo era? E aí entra o dilema jornalístico: qual é a amplitude da notícia? Aplicam-se velhas e antigas premissas de que mortes sob determinadas circunstâncias devem ser omitidas, sob a pretensa alegação de que não se deve estimular atos similares? Ou as que contestam esta linha em nome da informação correta e completa?

A bem da verdade, está a me parecer - e é apenas uma opinião, que depende do caso. E depende muito mais das consequências futuras do que de qualquer outro critério. A religião - ou as religiões -, encarregaram-se de estigmatizar quem põe fim à sua vida, e, se não estou equivocado, por algum tempo sequer era enterrado em cemitérios dos de "morte natural".

Poder-se-ia atribuir a gestos como este fraqueza, covardia ou algo do gênero. Particularmente discordo. No meu entender, vem de outra origem e sobre ele não cabe qualquer julgamento. Ninguém que não tenha estado no limiar do gesto consegue avaliar tamanho sofrimento e coragem de que é tomado o depressivo em grau elevado. Sim, porque atualmente, grafar depressão para momentos angustiantes tornou-se comum, visto que os limites já são delimitados até pelo farmacêutico ou a vizinha do andar de cima que toma "tarja preta". 

Muitos encerram em si muitos dramas, fantasmas, medos, fracassos. No mais das vezes, somos nós mesmos os culpados do que sobrevêm. Mas na essência, ninguém está ou entra nessa porque quer. As armadilhas sempre estiveram aí para enredar este ou aquele em labirintos intermináveis, e é muito difícil analisar-se com isenção como se cai neles.

Acho que o dever de informar deveria ficar naquele intervalo entre a verdade, a conveniência e o respeito aos que ficam. Especialmente, se entre eles houver filhos pequenos. Sem querer ser piegas, gostaria que meus entes que se foram fossem sempre lembrados por coisas boas, e que mesmo o que maculava suas personalidades fossem esquecidos. Por quê? Porque não serve a nenhuma finalidade.

Assim, sem que me peçam, dou minha opinião: em respeito aos que ficam - e me refiro aos familiares em especial, prefiro a notícia curta e necessária, sem detalhes. Como a maior parte dos veículos de Comunicação por todo o Brasil que vi.

A tragédia já se basta a si mesma.

Descanse em paz Voltaire. Que a família tenha força pra seguir em frente.

Iraguassu Farias é diretor Comercial de Coletiva.net.

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