A origem é relevante, certo?

Por Vieira da Cunha

E aconteceu: na semana passada, fizemos um encontro no emblemático Plenarinho da Assembleia Legislativa para registrar o 50º aniversário de circulação do Coojornal, o mensário da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre que escreveu uma linda página na história do jornalismo brasileiro. Elmar Bones, Jorge Polydoro, Rafael Guimaraens e Ayrton Centeno desfilaram com clareza e competência as histórias que vivenciaram naquele período, entre 1975 e 1983. 

Quem estava lá aplaudiu com entusiasmo as falas, embora o total de presentes tenha decepcionado, fruto da má divulgação - feita por nós, jornalistas? O encontro foi decidido quase em cima da hora, em apenas 10 dias, e muita coisa escorreu pelos dedos sem que pudesse ser burilada devidamente. A academia também decepcionou, e muito, pois imaginava-se que ao menos algum professor teria sensibilidade para alertar seus discípulos para aquele ato. De alguma forma estavam informados sobre o evento, pois a Famecos destacou uma equipe para registrar em vídeo 

A mim coube lembrar a origem de tudo, que está na fundação da Cooperativa dos Jornalistas. Foi pioneira no país, e contribuiu para disseminar a ideia de cooperativas similares em todo o País. Nos idos de 1980, um total de 14 entidades do gênero foram criadas, todas inspiradas em nosso modelo.

Jornalistas são sempre movidos por inquietações, dúvidas, ceticismos e questionamentos. Relembrei que não era diferente com o grupo de jovens jornalistas, em sua maioria, que participavam da redação da Folha da Manhã, um diário que circulou nos anos 1970 e 1980 no Rio Grande do Sul. Os rumos da profissão, as incertezas sobre a orientação editorial ditada pelo patrão, o futuro do jornalismo eram temas frequentes nas conversas deste pessoal nos encontros fora da redação. Que não eram poucos nem breves; iniciavam-se ali pelas dez da noite, a partir do momento em que as editorias iam encerrando suas atividades, e se estendiam até uma, duas da madrugada. 

As provocações ficavam suspensas no ar, à espera de um próximo encontro, que poderia muito bem ser no dia seguinte. A vontade de ter um jornal de jornalistas era latente e permanente. Vale ressaltar que não havia descontentamentos com o trabalho na Folha da Manhã, que também fazia história, com José Antonio Severo na direção e dois editores-chefes, Elmar Bones no comando geral e Ruy Carlos Ostermann na área do esporte, ainda muito forte no diário. 

A decisão pela criação de uma cooperativa de jornalistas para colocar na prática ideias tantas vezes sonhadas e nunca executadas foi muito discutida. E por que uma cooperativa, e não uma empresa convencional? Porque os próprios cooperados, como registrei aqui na coluna anterior,  detêm o controle do negócio e estão diretamente comprometidos com os resultados. Nela não há um dono, um capitalista, que seja o único a ditar as regras. Todos os associados são donos, com direitos e responsabilidades iguais.

Não foi fácil concretizar a ideia da cooperativa. Era o Incra, órgão federal dedicado à reforma agrária, o responsável pela fiscalização e orientação do cooperativismo no país, e seus técnicos tinham enormes dificuldades para assimilar a ideia de haver uma cooperativa que se dedicasse não a cultivar terras ou criar animais, mas voltada para um trabalho antes de tudo intelectual.

Então, na tarde de um sábado de inverno, em 1974, 67 jornalistas se reuniram na sede da ARI para fundar aquele organismo inovador e ao mesmo tempo desafiador. Um desistiu, e 66 foram os fundadores da primeira cooperativa de jornalistas brasileira, nascida com o ideal de reunir profissionais da área com o objetivo de criar oportunidades de trabalho e, algum dia, editar um jornal de jornalistas.

Estavam ali movidos por um chamamento feito através de edital em jornal, O que nos movia, como idealizadores e fundadores deste organismo, era o descontentamento com o jornalismo que se praticava naquela época, aliado à vontade de nós, os próprios trabalhadores, termos um jornal no qual a orientação editorial e o comando de todo o processo fossem exercidos pelo grupo de profissionais envolvidos.

E ali, naquele ambiente formal da querida ARI, havia um grupo de pessoas com interesses e objetivos comuns, motivados pela ideia de ter um jornal de jornalistas e lutar pela ampliação do mercado de trabalho. Em comum, a uni-los, havia uma saudável inquietação, uma inconformidade com os rumos que a imprensa tomava naqueles anos, em muitos aspectos acomodada a ditames de uma censura policialesca ditada pelos governantes de plantão. 

A cooperativa engatinhou nos primeiros meses, capitalizando-se aos poucos, até que um dia surgiu a oportunidade para se passar do sonho à ação. Dois associados, Elmar Bones e Jorge Polydoro, tocavam, com o apoio do empresário José Abujamra, uma sociedade que editava o mensário Jornal do Inter e dois pequenos house-órgãos. O afastamento do empresário criou um impasse para os dois jornalistas, que ofereceram o negócio para a cooperativa. O Conselho Fiscal analisou detidamente a proposta e decidiu sem qualquer dúvida: ali estava uma alavanca segura para a Coojornal começar a existir de verdade.


Aquele embrião cresceu rapidamente: apenas meio ano depois, em novembro de 1975, a Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre estava com quase 200 associados, um capital de 500 mil cruzeiros, editava o Jornal do Inter e outros cinco veículos para terceiros. Esta vertente, voltada à prestação de serviços editoriais, se revelou altamente positiva para ajudar a cooperativa a se fortalecer e capitalizar - e lançar o boletim que carregou a sigla da entidade, Coojornal. A data está impressa lá para os registros da história: 15 de novembro de 1975. E foi isso que reverenciamos no encontro da semana passada, cuja gravação está disponível nos sites da Assembleia Legislativa e em coojornal.libretos.com.br.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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