Acuos e recuos

Por Fraga

Influenciado por tantos visitantes reaças e retrógados sempre bem-vindos ao Palácio do Planalto, Bozonaro convidou o casal Saudosismo e Nostalgia para um tête-à-tête acefálico.
 
Na verdade, dizem, Bozonaro há muito sonhava ser assessorado por eles. Com o nourrau do casal para retroagir, o deprimente da república pretende tornar o Brasil ultrapassado. Bozonraro considera nosso atraso pouquíssimo atrasado.

Ao chegarem, em carroça puxada por burros, Bozonaro elogiou o transporte. Se por empatia com os animais, não se sabe, e os animais nem deram atenção a ele. O fato é que Bozonaro subiu no veículo e tomou as rédeas. Gostou da nova sensação de comando e ali mesmo decidiu: não importa quantos cavalos tenham, cada carro terá que ter, além da direção, rédeas. A comitiva vibrou.

A reunião de trabalho foi muito bem organizada: na comprida mesa, pergaminhos e penas de ganso para todos. E vários aparelhos de fax, prontos para disseminar conclusões e decisões passadistas. O casal Saudosismo e Nostalgia se sentiu em casa.

Bozonaro, orgulhoso da sua visão retrô, abriu os trabalhos com um audiovisual de slides do projeto do voto impresso.
Sob a luz do retroprojetor Kodak, os ministros militares, especialistas em retrocesso, soltaram um longo ohhh de admiração. Presentes na enorme sala, os lobistas da indústria gráfica emitiram um ohhh de faturação.

A maior vantagem do voto impresso, frisou Bozonaro,
era que na volta da ditadura bastava não imprimir as cédulas, enquanto que com as urnas eletrônicas há, segundo ele, risco de milhões de hackers votarem clandestinamente.

A reunião seguiu por horas. Acumularam-se as sugestões de equipamentos obsoletos que podem colocar o Brasil em dia com décadas passadas. A consagração foi o telefone a manivela, porém o mata-borrão levantou suspiros. (Eu ia citar a volta dos orelhões, mas isso já virou meme na web.)

A tudo isso, o casal Nostalgia e Saudosismo assistia atento porém silente. Sintonizados com o antanho, os dois quase propuseram a volta do ph na escrita. O alarido das propostas regressivas não permitiu.

Ao fim da reúna, Bozonaro recepcionou o casal com acepipes e pitéus e os presenteou com um terno de Nycron e um vestido de Tergal. Foi nessa hora que Saudosismo e Nostalgia puxaram Bozonaro prum canto e consultaram:
Você poderia nos assessorar numa viagem nossa ao século 18? Seu tino seria o melhor cicerone para nós!

Bozonaro ficou de pensar.

(PSIT: Os brasileiros sabem que Bozonaro, no fundo, nada tem de saudosista ou nostálgico. O projeto dele é impedir o futuro do Brasil. #ForaBolsonaroGenocida).

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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