Aromas e Cheiros

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"O aroma é a forma mais intensa da memória."

 Jean Paul Guerlain.

Certos odores, cheiros, perfumes e fedores da infância nunca desaparecem de nossa memória. Ao mesmo tempo, outros perfumes e odores acabam varridos pelo esquecimento, como folhas amareladas de Outono. Um capricho do Senhor Tempo muito difícil de decifrar.

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Ainda recordo do som da madeira verde crepitando no fogão no sobrado da Vasco da Gama. E do fogão a lenha na fazenda do Passo Grande - eu acordava ouvindo o estalar das grandes achas de lenha e o cheiro do leite fervendo. A um canto da mesa, tomava café-com-leite, olhando a avó Ana Augusta e a mãe nas lides da cozinha, mexendo nas panelas, bulindo nos pratos, garfos e facas. Cheiros e gestos que desapareceram, permanecendo apenas no fundo da minha memória afetiva.

Mordendo a broa de milho ainda quente, sem tirar os olhos do fogo que nunca se apagava, brasas e tições avermelhando a escuridão das noites silenciosas. Antes do sol nascer, a avó chegava com um candieiro na mão, juntava gravetos, assoprava as brasas e o fogo voltava forte, aquecendo a cozinha. Durante a manhã, a movimentação enchia a casa com sons e cheiros dos grandes panelões de ferro, com feijão preto, arroz, caldos e carnes. No meio da tarde, depois da pausa da sesta, recomeçava a faina. Era a hora do preparo das frutas recém-colhidas que iam virar doce: marmelada, goiabada, doce de laranja e de batata-doce.

As panelas ficavam por horas no fogo, as mulheres se revezando, mexendo as misturas e enfiando mais lenha no fogão. Caía a noite, o perfume das caldas ferventes chegava até os quartos e íamos para a cama sonhando com a hora de provar aquelas doçuras coloridas.

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O tempo passou e um dia voltei até os campos de minha infância. O casarão estava silencioso e deserto e na cozinha, o antigo fogão estava se enferrujando aos poucos. Na parede, as prateleiras vazias se cobriam de poeira. Era ali que ficavam os vidros de compota com os doces - de ananás, ameixa, bergamota, batata doce, figo, goiaba, marmelo. A imagem que ficou daqueles distantes dias de verão, era uma luz oblíqua do sol se infiltrando pela janela, fazendo brilhar os amarelos, vermelhos, verdes e roxos-azulados.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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