Coopítulo 55 - De jornalistas e jornais III

Por José Antonio Vieira da Cunha

A saga dos jornalistas desempregados sempre encontrou guarida no Coojornal, atento para registrar os avanços e mazelas da profissão. Em meados dos anos 70 era alto o índice de desemprego no setor de comunicação do país, e parte da causa era atribuída à falta de planejamento do ensino superior e à inexistência de uma adequada legislação que protegesse a categoria dos jornalistas. Os sindicatos lutavam contra o novo hábito de contratação de colaboradores que ocupavam espaços sem qualquer remuneração. Ao mesmo tempo, outra luta pela oferta de mais vagas estava voltada para as emissoras de rádio, ambiente em que imperava o noticiário fruto da 'tesoura press', sem contratação de jornalistas profissionais. Afinal, matéria prima para o rádio jornalismo era o que não faltava na praça, pois naqueles anos iluminados Porto Alegre tinha à disposição sete diários - Correio do Povo, Diário de Notícias, Folha da Manhã, Folha da Tarde, Hoje, Jornal do Comércio e Zero Hora.

Por motivos como este, foi recebida com otimismo a informação de que outubro de 1976 era a data prevista para entrar no ar a que seria a quinta emissora de televisão no Estado, a TV Guaíba Canal 2, atual Record. O entusiasmo se justificava, pois a novidade abriria frentes de trabalho em todas as áreas na Caldas Júnior, uma empresa que era cobiçada por remunerar bem seus profissionais. A inauguração mesmo ocorreria apenas três anos depois, e contratou mesmo muita gente, pois era uma emissora independente, sem vínculos a rede. Teve uma vitalidade elogiável enquanto durou, uma vida efêmera que foi até 1984, quando a Companhia Jornalística Caldas Júnior virou fumaça.

Parte desta debacle do império de Breno Caldas começou a ruir nesta mesma época, segunda metade dos anos 70, quando o grupo RBS iniciou sua sólida ascensão. "Zero Hora quer um pedaço dos Classificados no Estado", noticiou o Coojornal, abordando o setor de pequenos anúncios, uma fonte de renda valiosa na época. Significava literalmente a entrada de dinheiro seco em dia de chuva. A Diretoria Comercial da ZH divulgava que a empresa estava pronta para entrar naquela faixa de leitores e faturamento que eram exclusividade do quase centenário Correio do Povo.

Em meados de 1975 a RBS ainda estava pesquisando "para saber qual a faixa de mercado que nos sobra, porque o Correio tem 80 anos de pedigree no setor", reconhecia o executivo Wilson Müller, comentando os 12 meses de pesquisa cujos resultados seriam conhecidos apenas em fevereiro de 1976. Mas o jornal estava se preparando com a devida antecedência, com a aquisição de duas novas unidades de rotativa para impressão em off-set, o que permitiria rodar com até 120 páginas. O equipamento existente era insuficiente para rodar de uma só vez a ZH Dominical, o que exigia que todo sábado seus suplementos fossem encartados manualmente por um exército de funcionários.

Zero Hora conseguiu seu objetivo, e já no início dos anos 80 passou a dominar o setor de classificados, com edições que aos domingos tinham quase 100 páginas apenas com estes pequenos anúncios. Ao lado de outros vários problemas de ordem administrativa, esta foi uma das razões que levaram ao declínio e falência do Correio do Povo, que viu seu filão minguar até a empresa quebrar de vez, em junho de 1984. O diário seria ressuscitado um ano depois pelo empresário Renato Ribeiro, que depois o negociou para o Grupo Record. Mas esta é outra história...

O Coojornal registrou que Sérgio Monte, que gerenciava a área Comercial da Caldas Júnior, via a entrada de Zero Hora nos pequenos anúncios como "uma concorrência muito boa, porque aprimorava o trabalho". "Vamos fazer de tudo para preservar nosso público anunciante", dizia. Público que não era nem um pouco desprezível: das 94 páginas com que circulava aos domingos, 52 eram dedicadas exclusivamente aos classificados - e registre-se que era um jornal no formato standard, o grandalhão, ao contrário de ZH, um tablóide como a Folha da Manhã e a Folha da Tarde.

Para enfrentar a nova batalha, o Correio comprara mais linotipos e fontes de composição (jovens, usem o Google para entender sua importância) e estava ampliando a capacidade da rotativa instalada no prédio que ia da Rua dos Andradas à Sete de Setembro. Não adiantou muito. Como a história mostrou, o concorrente foi bem mais competente...

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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