De racismo e covardias

Por José Antonio Vieira da Cunha

Todos os aplausos para os associados do Grêmio Náutico União que partiram para a ação e se posicionaram claramente em relação ao episódio preconceituoso contra Seu Jorge. Não ficaram em conversas de corredores ou vociferando nas redes, mas foram firmes para repudiar os atos racistas e a quase leniência da presidência do clube, que ampliou o preconceito ao criticar a vestimenta do artista, como se o detalhe ajudasse a apagar parte do crime coletivo, aquele em que os cidadãos sentem-se seguros em grupo para, abandonando seus freios morais individuais, portarem-se de forma irracional. Sem ser categórico na posição contra o ato racista, o infeliz, preconceituoso e despreparado dirigente passou a ideia de que a vítima tinha parte da culpa pelos ataques que recebeu.

As ofensas a Seu Jorge constituíram um momento odioso e grosseiro, de pura covardia, no qual a imprensa gaúcha não ficou muito atrás não, também ela, no geral, portando-se de forma covarde ao desprezar o posicionamento correto para abraçar um hipotético modo verbal, o futuro do pretérito, em que não se tem certeza sobre o que ocorreu. Ora, o acontecimento foi público e amplamente divulgado nas 24 horas seguintes e depois, e há inúmeros depoimentos e vídeos e gravações de áudio atestando o que aconteceu naquela noite vergonhosa. E, apesar de tudo e de todos os depoimentos feitos inclusive à polícia por testemunhas oculares e personagens, nossa imprensa seguiu no modo covarde, tratando um fato como hipótese.

No meio da comunicação há quem considere admissível a cautela com que veículos registram os fatos, algumas vezes tendo até como editor seu departamento jurídico. Mas é inadmissível uma postura covarde como a que se viu e que gerou preciosidades como a referência feita por Zero Hora, de que "as ofensas contra o músico teriam sido proferidas". E foi além, noticiando que "manifestações confirmadas por Zero Hora com algumas pessoas que compareceram ao evento, indicam que o cantor teria sido hostilizado com gritos de 'uh uh uh', simulando o som feito por macacos, além de ter sido xingado com termos como 'negro vagagundo' e 'preguiçoso'".

O Correio do Povo noticiou o fato com a forma verbal no passado, indicando que "o artista foi contratado para realizar um show", mas em seguida escorrega para registrar que "o crime teria ocorrido enquanto ele e a banda se preparavam para o 'bis'". E adiante: "Depois disso, ele teria feito um breve discurso contra a redução da maioridade penal e em defesa de jovens negros de comunidades brasileiras". No ceticismo de nossos diários, talvez tenham sido ouvidos xingamentos, talvez tivesse ocorrido um crime, talvez o atingindo tenha dito alguma coisa ao público. 

Não adiantaram todos os vídeos e áudios, de nada serviu o depoimento sereno do artista, que enalteceu "a capital que aprendi a amar" e pediu a união de todos por uma luta antirracista. Os advogados foram os editores do noticiário sobre um fato de racismo explícito. É por estas e outras que o respeito ao Jornalismo se esvai. 

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Bolsonaro mente sem limites sobre qualquer coisa: vacinas, estatísticas oficiais (sobre emprego, desmatamento, o que for), urnas, rachadinhas, ditadura militar, os próprios atos de governo (Um exemplo? Apresentando-se como o responsável pela transposição do São Francisco.), o preço da gasolina ("é a mais barata do mundo", afirma, na maior cara de pau), o crescimento econômico "maior que o da China", a inexistência de pessoas com fome no Brasil. Exemplos de mentiras deslavadas e mesmo criminosas é que não faltam. Mente, mente com tanta convicção que leva ingênuos e mal intencionados a acreditarem piamente no que mente. 

Já revelei aqui que não votei nem em Lula nem em Bolsonaro no primeiro turno, mas a opção que se apresenta ao brasileiro hoje não admite neutralidade. É impossível votar em quem enaltece a ditadura, agride as instituições brasileiras, é declaradamente misógino, homofóbico e simpatizante de torturador. Não dá mesmo.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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