Desgarrados
Por Fernando Puhlmann

"Carregam lixo, vendem revistas, juntam baganas
E são pingentes das avenidas da capital"
Mário Barbara e Sérgio Napp
Todos os dias caminhamos apressados pelas ruas de Porto Alegre. Passamos pelo Bom Fim, Moinhos, Cidade Baixa. Passamos e não vemos. Ou fingimos não ver. Ali, nas calçadas, estão pessoas que um dia tiveram nome, história, família. Hoje, são tratadas como se fossem invisíveis - como se fossem apenas um incômodo a ser desviado, quase como lixo descartado pelo tempo.
São homens e mulheres esquecidos pela sociedade. Vivem cada dia como se não houvesse amanhã, sem remédio, sem alimentação, sem tratamento médico, sem perspectivas. Sem nada além do asfalto frio para repousar e do olhar indiferente de quem atravessa a rua para não passar por eles.
E, ao lado dessas vidas humanas, também há animais. Cães e gatos abandonados, tão invisíveis quanto seus companheiros de rua. Compartilham a fome, o frio, a dor. Também morrem sem cuidado, sem chance, sem o mínimo de dignidade.
O mais cruel é perceber como a pressa das nossas vidas pessoais nos torna cegos. Vivemos imersos nos nossos problemas, nas nossas metas, nas nossas urgências, e esquecemos que cada uma dessas pessoas é exatamente isso: uma pessoa. Uma vida tão valiosa quanto a nossa, mas relegada ao abandono.
Mais grave ainda é constatar que a Prefeitura de Porto Alegre falha em oferecer políticas públicas eficazes. Não basta inaugurar abrigos provisórios em dias de frio, nem lançar campanhas pontuais que só maquiam a miséria. É preciso enfrentar o problema de forma estrutural, com programas permanentes de moradia, saúde, trabalho e reinserção social. Sem isso, milhares de pessoas continuarão condenadas ao abandono, repetindo o ciclo da rua, invisíveis não só para a sociedade, mas também para o próprio poder público.
A cidade se acostumou à miséria. O olhar endureceu, a compaixão rareou. Parece que ninguém dá bola. Mas dar as costas não faz o problema desaparecer - só o aprofunda.
Talvez o primeiro passo seja simples: lembrar. Lembrar que ali estão seres humanos. Lembrar que ali estão vidas. E, a partir disso, não aceitar mais que elas sigam invisíveis.
Eles são seres humanos como nós - desgarrados de uma sociedade que esqueceu o que é humanidade.