Enriquecendo o vocabulário além do juridiquês

Por Flávio Dutra

Veteranos como eu lembram que as edições antigas da revista Seleções tinham uma secção intitulada Enriqueça Seu Vocabulário. Uma palavra menos conhecida era acompanhada de três possíveis significados e, ao final, se conhecia o sinônimo correto. No Brasil, a cada crise, a cada magno acontecimento - e são frequentes - temos uma versão nacional  do Enriqueça Seu Vocabulário, quando ganham destaque na Imprensa certas palavras ou termos que a média da população não entende e não utiliza.

Suponho que esse processo funciona mais ou menos assim:  um especialista qualquer, uma autoridade graduada ou mesmo um comentarista  da mídia usa pela primeira vez, repete, repete e a palavra ou expressão acaba "pegando" ou fica agendada.

Assim, a empatia era protagonista na pandemia, resiliência nas enchentes e  no contencioso Brasil x EUA, sanção e soberania se sobressaem. A Globo fala em chantagem dos americanos, enquanto o grupo Hammas sempre é taxado de terrorista

Antes, tivemos uma profusão de golpismo e estado democrático de direito por causa do 8 de janeiro. Já narrativa e fascista tem frequentado várias narrativas, assim como empoderamento, relevância e os modernosos subiu a régua e fora da curva. Ah, tem também os preferidos dos palestrantes: pensar fora da caixa e fora da bolha. Potente e robusto ganharam notoriedade para situações positivas, valorizando ainda mais a ocorrência, enquanto severo fica restrito às negativas; sendo muito usada atualmente para efeitos climáticos.

O frege de deputados na Câmara Federal virou motim, e adultização começou a aparecer mais por políticos que queriam aparecer - a repetição é proposital -  com projetos contra a exposição erótica de menores, após o célebre vídeo do Felca, que ganhou popularidade como se fosse uma palavra da moda. Já no tocante, digamos, é um dos legados do bolsonarismo, enquanto bazófia é o que restará das discurseiras de Lula contra as indevidas ameaças de Trump.

Nada, porém, como um julgamento do STF, como o  da trama golpista,  para espraiar termos do juridiquês para uso corriqueiro. É jurisprudência pra cá. persecução penal pra lá, passando pela volta da dosimetria, pelo devido processo legal, muitos embargos infringentes e declaratórios, sem contar os  "vossa excelência" pra cá  e os  "eminente" pra lá, em meio aos não tão iminentes desfechos dos votos. Pudera, com votos que mereceriam citação no Guiness pela duração, é evidente que o vocabulário deveria ser variado, até para compensar a aridez do tema e manter a plateia minimamente atenta. 

Depois do massacre do juridiquês no STF, resultado do julgamento à parte, me bateu uma saudade infinita do palavreado simples, que usávamos e repetimos pela sonoridade que nos agradava. Só falta me dizerem que não existe mais a Seleções, que foi descontinuada a edição brasileira em mais uma retaliação do Trump ao Lula e ao Xandão.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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