Falo com...

Por Marino Boeira

Falo com Milton Santos - Geógrafo e um dos mais importantes intelectuais brasileiros do século 20 - 1926/2001.

Na história do Brasil poucos negros tiveram o destaque que você tem na nossa cultura e na nossa ciência. Você se sente como uma exceção?

"Ser negro no Brasil é, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros."

São apenas os negros, os discriminados na sociedade brasileira?

"O Brasil jamais teve cidadãos, nós, a classe média, não queremos direitos, nós queremos privilégios, e os pobres não têm direitos, não há, pois, cidadania neste país, nunca houve! A geografia brasileira seria outra se todos os brasileiros fossem verdadeiros cidadãos."

Por que as pessoas não têm consciência dessa situação?

"A informação sobre o que acontece não vem da interação entre as pessoas, mas do que é veiculado pela mídia, uma interpretação interessada, senão interesseira, dos fatos. O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde."

Você é um crítico dos meios de Comunicação. Por quê?

"Os papéis dominantes, legitimados pela ideologia e pela prática da competitividade, são a mentira, com o nome de segredo da marca; o engodo, com o nome de marketing; a dissimulação e o cinismo, com os nomes de tática e estratégia. É uma situação na qual se produz a glorificação da esperteza, negando a sinceridade, e a glorificação da avareza, negando a generosidade. Desse modo, o caminho fica aberto ao abandono das solidariedades e ao fim da ética, mas, também, da política."

 Isso acontece mais nos países dependentes economicamente?

"Antigamente, as grandes nações mandavam seus exércitos conquistar territórios e o nome disso era colonização. Hoje as grandes nações mandam suas multinacionais conquistar mercados e o nome disso é globalização."

Se você tivesse que descrever a nossa época, qual seria a sua principal característica?

 "Jamais houve na história um período em que o medo fosse tão generalizado e alcançasse todas as áreas da nossa vida: medo do desemprego, medo da fome, medo da violência, medo do outro."

Você não vê evolução na humanidade?

"A evolução do homem, na pré-história o homem das cavernas vivia em bandos para se defenderem dos predadores, hoje o homem vive em bandos para depredar. O terrível é que, nesse mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o de intelectuais."

Há ainda esperança de mudar esse quadro?

"O mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir."

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

Comentários