Falo com...

Por Marino Boeira

Falo com Eduardo Galeano - escritor uruguaio e ativista de esquerda - 1940-2015.

Galeano, você além de grande escritor, é lembrado também por suas respostas a centenas de perguntas. Vou te propor algumas delas. O que somos?

"Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos."

O que é o nosso corpo?

"O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa."

É importante brincar?

"Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagens. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca."

E o Natal?

"Jesus escolheu, para nascer, um deserto subtropical onde jamais nevou, mas a neve se converteu num símbolo universal do Natal desde que a Europa decidiu europeizar Jesus. O nascimento de Jesus é, hoje em dia, o negócio que mais dinheiro dá aos mercadores que Jesus tinha expulsado do templo."

As eleições?

"A liberdade de eleições permite que você escolha o molho com o qual será devorado."

E a ordem é importante?

"Em certo sentido, a direita tem razão quando se identifica com a tranquilidade e com a ordem. A ordem é a diuturna humilhação das maiorias, mas sempre é uma ordem - a tranquilidade de que a injustiça siga sendo injusta e a fome faminta."

E as derrotas da esquerda, o que significam?

"Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros. Nossa riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade alheia: os impérios e seus beleguins nativos."

A caridade cristã?

"Eu não acredito em caridade, eu acredito em solidariedade. Caridade é tão vertical: vai de cima para baixo. Solidariedade é horizontal: respeita a outra pessoa e aprende com o outro. A maioria de nós tem muito o que aprender com as outras pessoas."

E a justiça?

"A justiça é como uma serpente, só morde os pés descalços."

O medo?

"O medo nos governa. Essa é uma das ferramentas de que se valem os poderosos, a outra é a ignorância."

Como o mundo se divide?

"O mundo está dividido principalmente entre indignos e indignados, e todos sabem de que lado querem ou podem estar."

O que explica a riqueza de alguns?

"Não há riqueza que não se explique pela pobreza."

Um pensamento que você gosta de citar?

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia. Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar - Fernando Birri, cineasta e pensador argentino (1925/2017)."

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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