IN FORMA

Por Marino Boeira

A moda do politicamente correto.

Nunca no Brasil, como nos dias de hoje, as chamadas lutas identitárias tiveram tanta exposição nas mídias. Primeiro, foi um longo domínio de pautas, que viam em cada manifestação que não obedecesse o tratamento politicamente correto ao pessoal LGBTQI+, práticas de machismo, misoginia e preconceito sexual. A moda hoje não é apenas a defesa dos direitos da mulher negra, mas do lugar especial que ela deve ter nas funções públicas. O chamado racismo estrutural, um termo que não pode faltar no discurso de qualquer político da esquerda liberal, fez da mulher negra a sua grande vítima e cabe ao Estado promover a sua recuperação histórica. 

Os governos, tanto os de centro, como o de Lula, quanto os de direita, como o do Leite, parecem empenhados em uma disputa para saber quem lidera essa corrida anti-racista. Entre os 37 ministros do Lula, 10 se auto-declaram negros. Não havia dúvida para ninguém que Anielle Franco (Igualdade Racial), Margareth Menezes (Cultura) e Sílvio Almeida (Direitos Humanos) eram realmente negros, mas Flávio Dino (Justiça), Juscelino Filho (Comunicações), Carlos Lupi (Previdência Social) e Rui Costa (Casa Civil) surpreenderam ao se apresentarem como negros. 

Evidentemente, eles esperam algum ganho político com isso. O próximo avanço deve ser a conquista de uma cadeira no Supremo Tribunal Federal onde a pressão sobre Lula, para a indicação de uma mulher negra, é imensa. Aqui no Estado, o Leite abriu uma polêmica ao trocar a antiga diretora da Biblioteca Pública, Morganah Marcon por uma negra, Ana Maria de Souza. Surpreendentemente, no dia seguinte a sua demissão, a antiga diretora publicou fotos de seu avô aparentemente também negro. Ou seja, o que no passado poderia ser visto como uma mácula por alguns racistas, hoje é um laurel a ser exibido. Ser mulher e negra soma muitos pontos no currículo ideal para qualquer função pública, nessa nova visão dominante nas mídias. As lutas identitárias no Brasil reproduzem um modelo norte-americano, comprovando que o domínio imperialista sobre o Brasil não é apenas econômico, mas também e talvez o mais do que tudo, cultural. 

No caso do racismo esse transplante é ainda mais sem sentido, porque os modelos de escravidão dos Estados Unidos e do Brasil foram opostos. A sociedade brasileira moderna é fruto de um longo processo de miscigenação que começou com o colonizador português e o escravo africano e continuou séculos afora. Obviamente, isso não excluiu todo o tipo de violências sexuais contra a mulher negra, mas não foi suficiente para separar os brasileiros em grupos raciais antagônicos, como no caso atual dos Estados Unidos. A grande separação que existe aqui é de classes sociais. 

Centrar a luta dos negros na questão racial é prolongar indefinidamente o atual quadro de injustiças, que se funda na injusta e profunda divisão de classes, na oposição entre os que produzem e os que exploram essa produção. O professor Mário Maestri, um estudioso desse problema diz em seu texto 'Somos Todos Filhos da Escravidão', que "de um modo e de outro, todos os brasileiros foram e são ainda aleitados por esse terrível passado que dividiu nossa nação em duas grandes classes antagônicas: escravizadores e escravizados, torturadores e torturados, exploradores e explorados. Ainda hoje, descendemos de escravistas e de escravizados, segundo a situação social que conhecemos e as visões de mundo que abraçamos. E não devido às nossas múltiplas ou singulares ascendências étnicas". Claro que não espero com esse meu texto encerrar o debate sobre o tema, mas apenas contribuir para que ele se faça em bases mais racionais e que respeitem a nossa História.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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