In Forma (20/08/2025)

Por Marino Boeira

PALAVRAS E EXPRESSÕES QUE PERDERAM SENTIDO

Na CPI da Pandemia, os senadores que defendiam o governo Bolsonaro diziam que todas as críticas à sua atuação na área da saúde eram "narrativas" que não tinham relação com a realidade.

O termo ficou incluído no nosso vocabulário político e hoje as narrativas abundam em todas as áreas. O governo Lula e seus apoiadores são pródigos em narrativas. A maior de todas é que vivemos num Estado Democrático de Direito sempre ameaçado pelos inimigos fascistas.

Poderia o Brasil ser caracterizado como um Estado Democrático de Direito se ele vive uma divisão de classes sociais que lembra o apartheid do passado na África do Sul?

Embora o governo atual alardeie na mídia alguns avanços na situação dos trabalhadores, os números derrubam qualquer visão mais otimista: o salário mínimo é de 1.518 reais; cerca de 70% dos trabalhadores com carteira assinada, ganham no máximo dois salários mínimos e meio; mais de 30 milhões de trabalhadores vivem na informalidade, sem carteira assinada e quase 3 milhões são os chamados  "desalentados" porque perderam toda a esperança de conseguir um emprego.

Os que não esquecem esses trágicos números e criticam o governo por isso, fazem o que seus defensores costumam classificar de "o discurso do ódio". Ministros do Supremo, com altos salários e a vida garantida de forma vitalícia, condenam os que se revoltam contra a realidade em que vivem a longas penas de prisão e dizem que estão apenas punindo os discursos de ódio, embora nunca tenha ficado claro quais são as características reais desse discurso.

No novo vocabulário político brasileiro nenhuma palavra foi mais usada impunemente do que "soberania". O presidente Lula não diz duas ou três frases, sem citá-la, depois que o presidente norte-americano , Donald Trump aplicou um tarifaço geral nas exportações dos países do mundo inteiro, inclusive o Brasil.

A soberania brasileira é altamente discutível em razão da imensa dependência econômica em que vivemos desde os tempos de colônia e hoje mais do que nunca dentro da nova ordem mundial. Apesar disso, seus defensores dizem que ela existe desde que passamos viver, junto com outras nações, no Sul Global (outra expressão novíssima) livres da antiga polarização entre USA X URSS ou Norte x Sul.

Essa semana, Trump acabou com mais essa fantasia midiática ao reunir na Casa Branca representantes de todos os grandes países europeus para ordenar que a paz deve ser estabelecida rapidamente na Ucrânia e que ele, mais Vladimir Putin, pela Rússia e Xi Jinping pela China é que vão decidir o que está certo ou errado no mundo.

Então, o melhor seria abandonar, por enquanto, esses termos que pouco ou nada dizem como Estado Democrático de Direito, Soberania e Sul Global e mais do que todos, o Discurso do Ódio pois não colaboram em nada para a compreensão da realidade política do mundo e do Brasil.

Em vez deles vamos falar e escrever mais outras palavras e expressões quase esquecidas, como: Luta de Classes, Revolução Brasileira, Socialismo e Comunismo.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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