Machismo diário alimentado pela mídia

Por Márcia Martins

Numa sociedade marcada pelo patriarcado, em que predomina um sistema de dominação dos homens às mulheres, e machista, porque alimenta práticas que demonstram no cotidiano que o poder dos homens está enraizado culturalmente, uma mulher nem sempre é lembrada, em primeiro plano, pela sua competência, sua inteligência, sua formação educacional e seu desempenho profissional. Muitas vezes, tudo o que ela fez e alcançou na vida perde o valor, num reflexo indiscutível da postura patriarcal e machista, que normaliza a superioridade masculina e despreza as qualidades da mulher.

Pois em pleno 2023, tais situações ocorrem nas vidas pessoais das mulheres, nas famílias, nas escolas, nos grupos de amigos, nas faculdades, nas empresas e em todos os locais e cenários possíveis. Foi o que ficou estampado, na edição de terça-feira (7/fevereiro), da Folha de São Paulo, ao noticiar que Carol Proner será assessora para assuntos internacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Nas páginas do jornal, o machismo diário também estimulado pela mídia, destacou na sua manchete: "Carol Proner, esposa de Chico Buarque, será assessora no BNDES". Tudo o que ela acumulou nacionalmente e internacionalmente de conhecimento indiscutível pela sua formação de jurista, ficou relegado e menos importante ao ter seu papel reduzido como a mulher de Chico Buarque.

Outros jornais e revistas também preferiram embarcar na esteira do preconceito e do sexismo ao relacionar Carol a Chico Buarque e ignorar, nas suas manchetes, o extenso currículo da advogada e jurista, que certamente foi muito mais importante na escolha para ela ser assessora do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, do que o fato de ser mulher de Chico.

A manchete correta, não machista e preceituosa, deveria mencionar: Carol Proner, jurista e atuante nas áreas do Direito Internacional e Humanos, será assessora do BNDES. E imaginando que o repórter não tivesse conhecimento do extenso e consistente currículo de Carol, era só procurar no Google. A mesma atitude poderia ser adotada pelo editor a fim de evitar inferiorizar todo o estudo e competência da nova assessora de Mercadante.

Uma mulher, ao assumir um cargo importante, num País que se alimenta todo o dia das amarras do patriarcado, não é citada pelo seu currículo, e sim pelo nome do homem com quem ela vive. E a partir daí, todo o histórico que foi analisado para conduzir ao cargo, fica esquecido nas entranhas do mundo machista.

Para quem não sabe, Carol Proner é jurista, doutora em Direito Internacional pela Universidade Pablo de Olavide (Espanha), professora da UFRJ e pesquisadora visitante da École des hautes études en sciences sociales (uma instituição francesa de ensino superior e pesquisa em ciências sociais). Além disso, foi uma das fundadoras da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e integrante do Grupo Prerrogativas (grupo de juristas anti-lavajatistas).

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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