Não há dúvida. Não é sempre não!

Por Márcia Martins

Quando uma mulher diz não, ela não está falando de uma forma subliminar que pode ser, quem sabe, talvez com mais alguma tentativa, de maneira mais persuasiva ou que ela ainda não está bem certa. Não há a menor hesitação. Não é e sempre será simplesmente e definitivamente não. Se a mulher se encontra em uma situação de troca de carícias ou preliminares com um homem, ainda que o início tenha sido de forma consentida, e a empolgação de tal encontro começa a sugerir uma imediata relação sexual, é preciso entender e interromper o ciclo ao ouvir um não!

Não há dúvida. Não existe outro tipo de interpretação. Não é não. Se o ato tem prosseguimento e o sexo é consumado - mesmo depois de a mulher ter sido enfática ao declarar que não quer que ele continue - não houve consentimento. E sexo sem consentimento só tem um nome: é estupro. Vou repetir e até mesmo insistir: sexo sem consentimento é estupro

Se houve ou não penetração, sem o consentimento, é estupro. Se a mulher foi forçada ao sexo numa rua escura ou numa boate famosa, sem consentimento, é estupro. Se a mulher bebeu demais e um homem se aproveitou desta situação de vulnerabilidade, é estupro. Obrigar a mulher a fazer sexo oral, sem que ela queira, é estupro. Enfim, qualquer relação sexual, ocorrendo ou não penetração, em qualquer idade e em qualquer local, em que a vítima tenha afirmado que não desejava aquilo, é considerado sim estupro. No Brasil, é registrado, em média, um estupro a cada oito minutos.

O fato de não consentir, isto é, expressar verbalmente que não quer tal relação, é essencial para caracterizar o estupro. E, muito importante: se a mulher está totalmente indefesa, sem condições de dizer não, necessariamente não significa que ela disse sim. Porque se a vítima não apresenta condições de manifestar sua vontade, já se desenha um caso de violência que não deve ir adiante.

Recentemente, uma nova acusação de estupro praticada por um jogador de futebol brasileiro com atuação em clubes do exterior apareceu. Depois de outras denúncias de jogadores famosos, inclusive convocados para a Seleção Brasileira, o lateral-direito ou meio-campista Daniel Alves, foi preso, sem direito a fiança, em Barcelona, acusado de estupro de uma jovem de 23 anos, numa boate na cidade no final de 2022. Desde que o caso foi descoberto, o atleta já deu três versões diferentes para a violência sexual, todas mostrando severas e confusas contradições.

Um dos depoimentos mais bizarros, se é que esta é a palavra mais adequada para tamanha violência, e que demonstra desrespeito total com a situação da vítima, é que ele - vejam bem - se confundiu com o uso da vírgula. A mulher estuprada na boate teria dito, pelo depoimento de Daniel Alves, "não, para". E ele entendeu: "não para". E consumou o estupro. Um mero erro de interpretação (contém ironia sim). Se for condenado, o atleta, inexplicavelmente chamado para a Seleção que foi à Copa do Catar, pode pegar até 12 anos de prisão.

Gostaria muito de entender porque alguns jogadores de futebol (e não são poucos) transferem o poder de encantar no campo (quando o fazem) para a liberdade de usar e abusar do corpo das mulheres. Como se a mulher fosse uma mercadoria que estivesse sempre exposta numa vitrine para consumo.

E enquanto eles não entendem que não é não, que sexo sem consentimento é estupro, que a mulher tem o direito de expressar até onde deseja que a relação prossiga e que sua vontade deve ser acatada, crescem os números de violência contra as mulheres, os crimes de feminicídio e o enorme desrespeito à condição feminina. Os homens precisam compreender que são nossos corpos, nossas regras e nossas vontades!

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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