Não haverá um novo normal

Por Márcia Martins

Quando se percebeu o tamanho da transformação que o isolamento prolongado decorrente da Covid-19 poderia provocar nas pessoas, muitos logo profetizaram que após o período mais grave da doença e do confinamento, um novo normal seria inaugurado. Pelas diversas mudanças geradas com o trabalho em home office, sem o convívio social, sem o compartilhamento de momentos com familiares e amigos e a própria necessidade de um conhecimento maior de cada um na sua solidão. Mais de 30 meses depois da confirmação do primeiro caso no Brasil e com 79,39% da população totalmente imunizada, afirmo que não haverá um novo normal.

Tudo o que deveria ter sido aprendido - pelo menos por aqueles que fizeram corretamente o isolamento e não apenas para constar como politicamente correto nas redes sociais - em termos de empatia, preocupação com o coletivo e solidariedade com os mais de 685 mil mortos pelo coronavírus no País foi parcialmente esquecido. Então, como disse várias vezes - e até fui taxada de pessimista - a Covid tratava-se de uma pandemia, não de uma doença capaz de operar milagres.

Não foi um teste para saber se seria possível sobreviver no confinamento. Não foi uma experiência para se exercitar o poder de calcular os alimentos para estoques de 30 dias, por exemplo. Não foi um aprendizado para se colocar em dia a leitura de livros. Nem mesmo foi uma investigação para se saber até que ponto um ser humano, acostumado aos encontros, cinemas, passeios e outras trocas, suportaria sem tais interações.

Foi o adoecimento de mais de 34 milhões de pessoas no Brasil. Foi a partida dolorosa e precoce de familiares, amigos e conhecidos porque a vacina, que poderia sim ter evitado muitas das 685 mil mortes, chegou tarde demais. Foram lágrimas e lágrimas derramadas pelos parentes que nem sequer tiveram uma despedida digna. Foi um tempo bem infeliz da nossa história e que deveria ter plantado em cada um sementes de responsabilidade e empatia.

No entanto, poucos ainda mantêm os cuidados que podem reduzir o número de novos doentes. O uso das máscaras não é mais obrigatório em vários lugares, mas não custa utilizá-las sempre em eventos fechados, em locais abertos com muita aglomeração e até mesmo ao ar livre, como em parques e praças, se outras pessoas das quais não se conhece os hábitos estiverem muito próximas. A vacina não impede o coronavírus. Ela apenas pode amenizar os sintomas. E jamais esquecer do álcool em gel sempre que tocar em objeto compartilhado, andar em transporte público e voltar da rua.

São medidas que seriam compatíveis com um novo normal. Mas ele está bem longe de ser uma realidade neste Brasil.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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