O combate da ponte

Passo todos os dias pela Ponte da Azenha, cujas obras de reconstrução estão praticamente concluídas, e note-se que falo em reconstrução e não em …

Passo todos os dias pela Ponte da Azenha, cujas obras de reconstrução estão praticamente concluídas, e note-se que falo em reconstrução e não em restauração porque não se tem conta de quantas vezes a travessia foi destruída por sucessivas enchentes e depredações. Aliás, os vândalos já recomeçaram o trabalho, pichando sua parte inferior, antes mesma da reinauguração, marcada para 28 deste mês.


Como se vê, não é a Ponte da Azenha que é histórica, mas o sítio por onde ela se estende, pois ali se travou o primeiro combate da Revolução de 1835, no dia 19 de setembro, e também onde se registrou a primeira baixa, jornalista, por sinal: Antônio José da Silva Monteiro, mais conhecido como "Prosódia".


Não nos alvorecemos, porém, em protestos. Prosódia não estava fazendo cobertura para o jornal "Mestre Barbeiro", que fundara em janeiro daquele ano e onde desancava a lenha nos liberais sem dó nem piedade. Meteu-se no bochincho por engajado e fanático.


O apelido viera dos adversários, como represália, antes, quando ainda redigia o "Periódico dos Pobres", em cujas páginas se destacava como poeta satírico, de bons versos, porém de palavreado agressivo, a ponto de se tornarem insultuosos. Naquela noite de 19 setembro de 1835, Prosódia foi arrebanhado com outros 25 soldados da Guarda Nacional pelo major José Egídio Gordilho de Barbuda, Visconde de Camamu, para acabar com os "desordeiros" acampados nas proximidades da Ponte da Azenha.    


Montado em garboso alazão e envergando vistoso chapelão de penachos, para intimidar os "bagunceiros", tendo o Prosódia como ajudante-de-ordens, Camamu se tocou para a ponte e foi surpreendido por não se tratar do ajuntamento que ele esperava dispersar com sua simples presença, mas de força militar postada estrategicamente. Quando respondeu à pergunta da sentinela - "Quem vem lá?" - com a insolência de alguns palavrões e uma descarga de fuzilaria, que aliás não acertou ninguém pela má pontaria dos seus carabineiros, recebeu de troco uma carga de lanceiros que pôs sua tropa em debandada.


Em pânico, Camamu saltou do cavalo e se embrenhou por uma cerca de unhas-de-gato das proximidades, deixando o chapelão para trás. Um pouco depois, chegava ao Palácio do Governo, todo lanhado, roupas rasgadas, descabelado, enquanto a sentinela farroupilha exibia na ponta de lança o chapelão, dizendo que era uma "marmita de penacho".


O Prosódia, que também perdera o cavalo e saíra correndo, não teve sorte. Alcançado por um lanceiro, não quis render-se quando recebeu ordem de prisão. Respondeu com um tiro à queima-roupa. Como era atirador bisonho, mesmo a curta distância, errou a pontaria e foi morto com um lançado.


Apesar da tragédia, Camamu é a nota hilariante do episódio, descrito por Alfredo Ferreira Rodrigues, e também por Coruja Filho (Dr. Sebastião Leão), Assis Brasil e Ramiro Barcellos. Ao chegar sujo e ensangüentado ao Palácio, a sentinela de plantão na porta, assustada, deixou cair a arma, que disparou. Sobreveio o pânico. Os sinos da igreja tocaram o alarma, como se a cidade estivesse prestes a ser invadida por um grande exército.


Explicando o fiasco, Camamu disse que seus bravos soldados da Guarda Nacional tinham sido atacados por uma tropa de 400 homens e não havia como resistir. Há discrepâncias entre os historiadores quanto ao número exato. Assis Brasil fala em 200, mas esse era o total dos soldados farroupilhas acampados nas proximidades da Ponte da Azenha. Intervieram no combate apenas 25, dispostos em posições estratégicas, porque desde cedo sabia-se que os caramurus iam atacar naquela noite.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com passagens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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