O poeta e seus outros

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Começo a conhecer-me.

Não existo. Sou o intervalo entre o que

desejo ser e os outros me fizeram."

Fernando Pessoa.

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Em 1937, o poeta portugues Fernando Pessoa envia uma carta ao amigo Adolfo Casais Monteiro, descrevendo seus heterônimos - (ou seriam alter-egos?) com detalhes sobre biografias e datas de seus supostos nascimentos e mortes. Consta ter sido a primeira e única vez que o poeta único desvendou por inteiro o enigma de sua persona - a de ser quatro poetas ao mesmo tempo.

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Ele usou estas palavras para descrever Alvaro de Campos: 

Nasceu em Tavira, às 1h30 da tarde de 15 de outubro de 1890.

É alto, com 1,75m, (mais 2 cms do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara raspada, entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo liso, normalmente apartado ao lado e usa um monóculo. Teve uma educação vulgar de liceu, depois foi para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica, depois naval.  Nas férias, fez uma viagem ao Oriente, de onde resultou seu 'Opiário'. Um tio beirão, que era padre, ensinou-lhe o latim.

Quanto ao poeta Ricardo Reis:

É um pouco, mas muito pouco baixo, mais forte, mas seco. Nasceu no Porto em 1887 e sua tez é de um vago moreno mate. Educado em um colégio de jesuítas, é médico e vive no Brasil desde 1919, quando da instauração da república em Portugal, pois se expatriou por ser monárquico.Trata-se de um latinista por educação alheia e um semi-helenista por educação própria.

Sobre Alberto Caeiro:

Era louro sem cor, olhos azuis, de estatura média e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso em 1915), não parecia ser tão frágil como era. Não teve maior educação, quase nenhuma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe e ele deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, sua tia-avó. 

E eis como via Bernardo Soares:

É meu semi-heterônimo, que aliás, em muitas coisas se parece com Alvaro de Campos e aparece sempre que estou cansado ou sonolento. De sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e inibição; sua prosa é um constante devaneio.         É semi-heterônimo porque, não sendo a personalidade minha,     é não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. 

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Mais adiante, Fernando Pessoa se pergunta e ao mesmo tempo responde de como escreve quando o faz em nome de seus heterônimos:

O Alvaro de Campos, que veio para Lisboa muito novo, sabe escrever razoavelmente, mas tem uns lapsos, como dizer 'eu próprio' em vez de 'eu mesmo', etc. 

Já o Ricardo Reis escreve bem melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. Mas é muito difícil escrever sobre uma prosa que ainda não foi escrita.

Quanto a Alberto Caeiro, ele o faz por pura inspiração, sem saber ou sequer calcular o que vai escrever. No entanto, mal escrevia o português.

Já Bernardo Soares sou eu mesmo, menos seu raciocínio e sua afetividade. A prosa é igual à minha e o português, perfeitamente igual.

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Mas quando se assume como Alberto Caeiro - aquele outro poeta que escrevia mal - Fernando Pessoa expõe a angústia de viver a multiplicidade:

"Reparem bem para mim:

Se estava virado para a direita,

Voltei-me agora para a esquerda,

Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés -

O mesmo eu de sempre, graças ao céu e à terra?"

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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