O que seria de nós sem os eventos?

Por Flávio Dutra

Primeiro para conhecer ou mesmo por  entretenimento, depois por dever de ofício, já fui um assíduo frequentador do Acampamento Farroupilha, da Expointer e do Carnaval no Porto Seco, entre outros acontecimentos do nosso rico calendário.  Agora, por rabugice ou falta de paciência para muvucas, passo ao largo desses locais e dos eventos ali realizados.  Já enfrentei toda a sorte de provações nas três manifestações que, reconheço, são caras para a média da população.

No Acampamento Farroupilha enterrei o pé no barro não foram uma nem duas vezes, nos setembros chuvosos, que são todos e quando o Parque da Harmonia ainda não tinha recebido melhorias nas suas vias internas. Na Expointer, o primeiro desafio é chegar lá, depois conseguir lugar para estacionar e tentar se locomover pelo parque sem esbarrar em outro visitante desgarrado. No Porto Seco, depois do desfile da terceira escola, lá pela madruga, ainda têm mais três ou quatro pela frente. Haja ânimo carnavalesco. 

A cobertura jornalística desses eventos, pelo que constatei e ouvi depoimentos, provoca dois tipos de reação nos envolvidos. Nas primeiras escalas, tudo é festa, depois vira um fardo pesado. É bem verdade que tem quem goste dessas indiadas, com o perdão dos povos originários pela citação. Conheço gente que entra em férias,  muda-se literalmente para o Acampamento Farroupilha e se orgulha de estar cultivando as tradições gaúchas ao custo de dormir mal, pouco banho e comer carreteiro quase todos os dias. 

Todo esse enrolation para dizer que, certamente, não tem ninguém que goste mais dos eventos do nosso calendário de festas do que os departamentos comerciais das emissoras de rádio e tv. A programação delas está recheadas das chamadas "coberturas especiais" e equipes inteiras são deslocadas para onde ocorrem os eventos, prontas para louvações às festividades e a seus organizadores. O roteiro é sempre o mesmo: entrevistas com autoridades, a corte escolhida e personalidades da terra, às vezes com os assistentes e sempre tem um visitante que veio de longe só para prestigiar a festa; não faltam apresentações musicais com artistas locais e logo aparecem os pratos típicos e as receitas das senhoras que preparam as iguarias. Confesso que fico com inveja do pessoal que lá está e é submetido ao sacrifício de degustar as comidinhas oferecidas.

Não me tomem por um inflexível corregedor da mídia, pois reconheço que  os veículos precisam  buscar a sustentabilidade financeira, que garantirá os empregos dos profissionais e os investimentos necessários.  Também não sou contra as festas pelo interior, que promovem as cidades e o turismo interno, movimentam as economias locais e até tem lá seus atrativos.  O que incomoda são os excessos e a transformação de jornalistas em garotos-propagandas de empresas, serviços e produtos, como está ocorrendo em todos os veículos, dos pequenos aos líderes de mercado.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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