Para onde vão os impressos

Por José Antonio Vieira da Cunha

A lenta, cruel e inexorável morte do bom e velho jornalismo impresso recebeu mais uma pitada de cal na semana passada com o fechamento do Diário da Manhã, de Pelotas. Encerrou uma história de 44 anos sem deixar saudades, pois há anos deixou de ter a relevância que imaginava ainda ostentar. É o que ocorre com a maioria dos jornais gaúchos, sejam diários, trissemanários, semanais, o que for. Com as exceções da regra, não conseguem ter a relevância exercida ao longo do século passado; não conseguem navegar no século 21, que esmaga as iniciativas tocadas por cabeças analógicas e fortalece cotidianamente o meio digital. Eis aí uma transposição que o jornalismo impresso não conseguiu vencer. Ainda.

Lá em meados do século 20, jornais do interior eram influenciadores de primeira em suas comunidades, e há exatos 60 anos, em setembro de 1962, decidiram criar a Adjori-RS (Associação dos Jornais do Interior do Estado), em um encontro em Novo Hamburgo liderado por dois líderes do setor - o anfitrião e diretor do Jornal NH, Paulo Sérgio Gusmão, e meu pai Paulo Salzano, que viria a ser o primeiro presidente. O exemplo pioneiro dos gaúchos inspirou associações similares em praticamente todo o Brasil, em uma época em que esses jornais davam as cartas e lideravam iniciativas comunitárias.

A Adjori realizou congressos anuais memoráveis, que reuniam mais de uma centena de participantes em busca de atualização. Seu sucesso e grandeza levaram a entidade a diversificar sua atuação, o que levou os diários a buscarem um espaço próprio - e seus líderes criaram a Associação dos Diários do Interior, a ADI, 30 anos atrás. Eram fortes e saudáveis, então. Os tempos mudaram e o panorama atual se mostra dramático. Vários títulos fecharam nos últimos 20 anos sem que houvesse substituição. Deixaram seus leitores pelo caminho A Razão, de Santa Maria; Agora, de Rio Grande; Diário da Manhã, de Passo Fundo; O Informativo, de Lajeado; e o DM de Pelotas, para lembrarmos apenas os principais.

Dificuldades históricas como queda na publicidade e na circulação, com consequente redução de páginas com conteúdo, tiveram nos últimos anos um aliado para enfraquecer ainda mais a capacidade de sobrevivência do jornalismo impresso - a internet e suas novidades tecnológicas. No mundo todo, jornais tentam driblar esta nova realidade, mas têm sido incapazes de encontrar a fórmula vencedora que faça com que tenham relevância na rede junto com uma necessária rentabilidade do negócio. Não alcançaram até agora nem um nem outro objetivo. Precisam cobrar pelo que oferecem, mas o internauta, que desde o início da massificação da web, lá no final dos anos 90, habituou-se a receber conteúdos de graça, não dá sinais de deixar de ser mal acostumado. Isto é, pagar, só mesmo por aquilo que considera essencial.

É um quadro nada alentador para o jornalismo como um todo. Os impressos seguem em queda acentuada, vendendo menos a cada ano. O caso mais dramático, e emblemático, é o da Folha de S. Paulo, o jornalão que vendia mais de um milhão de exemplares por dia e hoje está com menos de 10% desta tiragem. O horizonte é ainda mais sombrio graças a um efeito paralelo que a queda na circulação provoca: fábricas de papel mundo afora encerram atividades, e o valor da matéria prima básica do impresso aumenta sem dó. Não se tem dados atualizados sobre o Brasil, mas na Europa essa elevação de custo chegou a beirar 70% no ano passado em relação ao ano anterior.

A competição com o digital é também dramática. Um levantamento do portal Comunique-se mostrou que no ano passado circulavam no país 1.446 jornais, revistas e jornais de bairro, um número três vezes menor que o dos 4.035 blogs e portais de notícias. A simples migração do impresso para o digital não é solução, pois este meio ainda não encontrou a rentabilidade desejada. Como disse um empresário do setor, "o digital não sustenta ninguém".

Por tudo, note que não há ponto de interrogação no título deste texto. O impresso caminha para a inviabilidade. No caso dos jornais que ainda circulam no interior, seguem sobrevivendo bem aquelas exceções, formadas pelos que sabem oferecer conteúdos jornalísticos exclusivos sobre as comunidades regionais em que atuam. Mas mesmo estes têm um futuro inconveniente.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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