Quando a política mata
Por Fernando Puhlmann

"Más políticas matam, especialmente quem já sofre mais."
Poor People's Campaign
Eu gostaria muito de usar esta coluna para falar sobre o julgamento do Bolsonaro. É um julgamento histórico e muito necessário, que ficará registrado como um marco na política brasileira. Seria o momento de debatermos, com a seriedade que merece, o crescimento descontrolado da extrema-direita, o "emburrecimento" coletivo alimentado por mitos que nunca existiram e por líderes que se sustentam em narrativas falsas.
Mas meu íntimo exige falar de outra coisa. Exige falar de Canoas. Exige falar do absurdo que veio à tona com as denúncias contra a então secretária Paula Lopes: entorno de trezentas mortes de animais em poucos meses. Um número que por si só já é devastador, mas que se torna ainda mais cruel quando se soma ao contexto - a exploração da causa animal como meio de vida, transformando sofrimento em moeda e abandono em negócio.
Como militante da causa, como alguém que tenta de todas as formas ajudar, ainda que em pequenas ações, eu confesso: estou triste. E mais do que isso, estou indignado. Porque não é só sobre trezentas mortes. É sobre o impacto profundo que esse tipo de escândalo gera na própria luta. Quando uma pessoa com visibilidade e expressão se aproveita da causa, ela não só trai os animais que deveriam ser protegidos. Ela trai todos aqueles que acreditam que é possível fazer diferente.
E o efeito é devastador: gente que poderia ajudar deixa de ajudar. Pessoas que poderiam doar, apoiar, se engajar, recuam - com medo de serem enganadas, com medo de serem passadas para trás. A causa perde credibilidade, e quem cai de verdade são os animais.
É preciso falar disso com a mesma seriedade que falamos de política, porque também é política. É sobre ética, é sobre compromisso com a vida, é sobre responsabilidade pública. E é aqui que nós, da causa animal, precisamos redobrar o cuidado: escolher com atenção quem de fato nos representa, quem tem histórico, coerência e responsabilidade. Precisamos exigir políticos realmente alinhados com a causa, comprometidos em defendê-la e não apenas em usá-la como trampolim eleitoral ou fonte de visibilidade.
Se eu tivesse que resumir o que sinto, diria: indignação e luto. Indignação por ver a exploração do sofrimento de quem não tem voz. Luto por cada vida perdida, por cada oportunidade de fazer o bem que foi transformada em engodo.
O Brasil precisa debater Bolsonaro, sim, precisamos também debater o Zucco e qual o interesse dele em indicar a Paula Lopes para esse cargo que ela ocupava. Mas hoje, o que grita dentro de mim é Canoas. Porque é nos detalhes, nas histórias locais, nos escândalos que parecem menores, que a gente percebe a real dimensão de como a falta de ética corrói não só a política, mas também as causas que deveriam ser puras e coletivas. Afinal, a MÁ política mata, animais e homens.