Quanto a sociedade muda em 20 anos?

Por Elis Radmann

Em 2002, o IPO - Instituto Pesquisas de Opinião participou da execução de uma pesquisa nacional icônica, a PESB (Pesquisa Social Brasileira), que tinha o objetivo de desvendar o perfil do brasileiro e deu origem ao livro 'A Cabeça do Brasileiro'.

Foi uma experiência ímpar que irá se repetir agora, depois de 20 anos. Vamos voltar a campo, mapeando o Sul do Brasil, aplicando um questionário que dura mais de uma hora, para compreender a evolução do jeitinho brasileiro. O jeitinho é a capacidade de resolver problemas ou tarefas utilizando subterfúgios, burlando regras, utilizando-se de redes de relacionamentos e se constituindo como uma forma de "levar vantagem" em cima de alguém. 

Neste tipo de investigação social se faz vários tipos de afirmações como, por exemplo, "oferecer dinheiro para um policial não dar uma multa" e se pergunta ao entrevistado se tal situação está mais para um "favor", "um jeitinho" ou é uma "forma de corrupção". Escutar as respostas e os argumentos dos entrevistados é uma aula sobre a cultura política do Brasil.

Outro tema impactante deste estudo é relativo às questões de relacionamento racial, em que se mostra uma dezena de fotos de pessoas de diferentes raças, vestidas da mesma forma e pede-se para que o entrevistado avalie qual delas parece ser uma pessoa pobre, qual delas deve ser um bandido ou quem ele não queria para amigo. 

O julgamento dos entrevistados sobre as fotos é revelador, mostra que muitas pessoas que afirmam não serem racistas são categóricas em julgar pela cor da pele ou pela etnia. Há entrevistas em que é comum ouvir, "não sou racista, mas não quero um negro como genro".

A PESB também perpassa temas como violência e criminalidade, avaliando os tipos de situações e os riscos a que os brasileiros têm sido expostos e, principalmente, como lidam com a atual realidade.

O ponto mais constrangedor da pesquisa, mas não menos importante, trata da sexualidade e saúde reprodutiva dos brasileiros. Se pergunta ao entrevistado sobre seu cotidiano sexual e suas práticas. Inicialmente, o entrevistador até considera o tema "cabeludo" e se preocupa com a possível indignação do entrevistado. Mas, como a pesquisa da PESB é um retrato da realidade social em que vivemos, as perguntas são muito simples e se relacionam com temas do dia a dia do entrevistado. Quando chega na parte da sexualidade, muitos entrevistados já estão contando até piadas.

E, como em toda pesquisa, sempre há os fatos curiosos. Em 2002 houve uma situação surreal. Uma senhora sorteada para dar entrevista não falava o português e chamaram o padre da comunidade para fazer a tradução. O entrevistador, suando frio, mostrou as questões de sexualidade que seriam aplicadas para o padre, que prontamente se mostrou disposto a mediar a situação e questionar a fiel sobre suas práticas sexuais.

A PESB é quase como uma lente que permite observar a diversidade social e cultural que compõe o Brasil. O pensamento do brasileiro forma uma "colcha de retalhos", que expressa muitas e diferentes visões de mundo.

Autor
Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO - Instituto Pesquisas de Opinião em 1996 e tem a ciência como vocação e formação. Socióloga (MTB 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e tem especialização em Ciência Política pela mesma instituição. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Elis é conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) e Conselheira de Desburocratização e Empreendedorismo no Governo do Rio Grande do Sul. Coordenou a execução da pesquisa EPICOVID-19 no Estado. Tem coluna publicada semanalmente em vários portais de notícias e jornais do RS. E-mail para contato: [email protected]

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