Diversidade e Comunicação: Alessandra Primo e a importância da representatividade para a comunidade trans

Professora, pesquisadora e orientadora, profissional que assina artigo nesta quarta-feira conversa com Luan Pires

Para Alessandra Primo, reconhecer diversidade faz com que a sociedade cresça - Crédito: Arquivo pessoal

Profissional com inúmeras conquistas na sua área de atuação, Alessandra Primo, ou Ale Primo, é professora do curso de Publicidade e Propaganda e do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), tornando-se uma referência na formação de comunicadores. Como uma mulher trans que fez a transição aos 50 anos, Ale nos dá um relato consciente e transparente sobre o que aprendeu e continua aprendendo nesta jornada.

Me conta, antes de mais nada, de forma resumida, como você chegou onde está profissionalmente? Por que escolheu essa caminhada?

Quando fiz minha graduação, jamais poderia imaginar que seria professora, pesquisadora e orientadora. Eu sonhava em ser diretora de cinema, por isso, fiz Publicidade. Depois me apaixonei pelo Design Gráfico e então fui me enveredando para produção de material publicitário. Com o tempo, fui tornando pesquisadora e professora em essência. A gente percebe que durante a vida nos reinventamos sempre.

Estamos no mês da visibilidade trans em consonância com o dia 29 de janeiro, Dia Nacional da Visibilidade Trans. Sabemos que pessoas trans - e aqui falando mais especificamente sobre mulheres trans - geralmente são associadas a temáticas como prostituição, marginalização e subempregos. Como é se ver num papel importante de representatividade para essa população? Qual a importância de mostrar a sua realidade e atuação para dizer a outras pessoas trans que é possível - embora, claro, com mais ou menos dificuldades - conquistar seus objetivos?

Ainda que eu não tenha uma dedicação contínua e permanente com o ativismo, estou sempre compartilhando informações e materiais sobre a existência trans e outras questões relativas à comunidade LGBTQIA+, porque acho importante ter isso em discussão. Sempre acho importante falar para que eu possa beneficiar outras pessoas da mesma forma que fui beneficiada quando, no início da internet, já ia atrás de fóruns, grupos de pessoas trans e informações sobre o assunto. Eu sabia desde a adolescência que era uma mulher, mas o acesso era muito limitado a esses materiais. Por isso, é importante promover essas discussões em torno das existências. A população das pessoas trans em sua maioria acabam na prostitução porque foram expulsas de casa, ou porque não conseguem emprego. Acabam marginalizadas pela sociedade. Isso me assustava. Eu fiquei performando essa persona masculina por medo. Hoje, por coragem, uso minha voz para clamar por respeito.

Você performou como um homem-cis-branco que atualmente é o recorte privilegiado da nossa sociedae e, de repente, encara a vivência de um grupo minorizado. O que mudou de lá pra cá? Pra você, qual é o peso que a identidade e orientação afetivo/sexual têm quando falamos de privilégios?

Durante as décadas que eu performei como um homem branco classe-média gozei de muitos privilégios que qualquer homem usufrui. Isso permite um certo tipo de comportamento, de exigências e de impaciência. Enquanto mulher, se somos mais enfáticas, somos acusadas de histéricas. Uma mulher sempre é criticada se ela não se comporta segundo o estereótipo de comportamento delicado, hiper afetivo e submisso. Hoje, como mulher, tenho receio do assédio e como mulher trans, além disso, medo de violência física. 

Você tem contato no seu trabalho com muitos jovens comunicadores ou comunicadores com planos/projetos. Além do conhecimento acadêmico, que conhecimento de vida essa sua jornada lhe rendeu que você acha importante passar para esses comunicadores?

Eu penso que nossos estudantes precisam valorizar a liberdade, o respeito, as existências que são diferentes das suas. Nós não temos equidade no Brasil, às vezes mesmo merecendo, uma pessoa não consegue ascender por ser negra, da comunidade LGBTQIA+. Mas hoje os jovens reconhecem mais as diferenças. Tem conversas mais abertas, debates mais respeitosos. Isso é fundamental.

O que é Diversidade e Inclusão para você?

São coisas diferentes. Todos nós somos diversos, afinal ninguém é igual a ninguém. Uma empresa pode ser diversa e pode não ser inclusiva. Ter muitos funcionários negros, ou da comunidade LGBTQIA+ pode te tornar diverso, mas se eles não conseguem, por exemplo, chegar em cargos de lideranças, não está havendo inclusão. E a sociedade precisa das duas coisas. Inovação se dá pela diferença, conhecimento se dá pela diferença. Reconhecer a diversidade com a inclusão faz com que a sociedade cresça. 


Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Quinzenalmente, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Alessandra Primo, clique aqui.

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

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