Tragédia da boate Kiss: em live do Coletiva.net, jornalistas contam como foi cobrir o evento

Profissionais que estiverem na catástrofe em 2013 falaram sobre o trabalho da imprensa

Repórter do portal, Márcia Dihl, conduziu o bate-papo - Reprodução/Facebook

Uma das maiores tragédias da história do Rio Grande do Sul, o incêndio da boate Kiss, foi tema de live realizada no Facebook do Coletiva.net na noite de ontem, 25.  A transmissão, produzida pelo portal e pela Coletiva.rádio, foi feita em parceria com a Rádio Acústica FM. Quatro jornalistas foram convidados para expor os pormenores jornalísticos e suas percepções do desastre que aconteceu na madrugada de 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria. 

Danton Júnior, repórter do Correio do Povo, Flávio Ilha, à época correspondente do jornal O Globo, Gabriela Lerina, repórter do SBT e Nilson Vargas, então editor do jornal Zero Hora, estiveram presentes na cidade do interior gaúcho acompanhando os desdobramentos do evento que vitimou 242 pessoas e deixou outras 680 feridas. A repórter do portal, Márcia Dihl, que mediou a conversa, também compareceu ao local na ocasião como produtora da Record TV.

A live foi aberta por Márcia com a leitura de um trecho do livro 'Todo dia a mesma noite', da jornalista mineira Daniela Arbex. A passagem traz o relato de uma capitã do Hospital da Brigada Militar que estava de sobreaviso no dia do incêndio. A profissional conta como foi entrar na boate e, além da visão dos corpos, ouvir os toques dos celulares das vítimas. "Na maioria dos casos, porém, o visor indicava a mesma legenda: mãe, mamãe, vó, casa, pai, mana. Aquela sinfonia da tragédia era tão insuportável quanto a cena que Liliane presenciava. Como lidar com um evento dessa proporção?", recitou.

O primeiro contato

Os relatos trazem muitos pontos em comum. As informações do incêndio chegaram a todos pela madrugada, Danton, Flávio e Gabriela foram acordados com ligações dos veículos, e para Nilson, natural de Santa Maria e que visitava a cidade naquele final de semana, apenas bastou olhar para fora para ver o incêndio.Todos foram informados que uma casa de festas da cidade havia pegado fogo e que tinha, no máximo, 30 mortos. 

Foi com o passar das horas que a gravidade da situação se desenhou. "Partimos em direção a Santa Maria e chegamos lá por volta das 10h. No trajeto, ouvindo as notícias pelo rádio, o número de mortos aumentava cada vez mais, até que chegou em torno de 230", contou Danton.

Solidariedade entre os colegas

A rede de apoio criada entre os jornalistas durante a cobertura da tragédia também foi mencionada durante a transmissão. Todos compreendiam a dolorosa missão de informar sobre os acontecimentos e não havia espaço para exclusividade ou furo de reportagem. Flávio, que chegou a ficar um mês em Santa Maria, relata que informações chegavam por diversas frentes e era impossível que um jornalista sozinho conseguisse captar tudo o que estava acontecendo.

O correspondente acredita que essa colaboração foi decisiva para manter o público bem informado. "A gente trocava muita informação. Combinamos de cobrir uma determinada coletiva e compartilhar o áudio entre todo mundo", exemplificou.

Os familiares

Com o acesso restrito à casa noturna, durante a manhã, as equipes de reportagem se concentraram nos hospitais e no ginásio que abrigou o velório coletivo, onde houve muito contato com familiares e amigos das vítimas.

O grupo de Gabriela, que foi uma das primeiras a chegar na cidade, foi direto ao centro esportivo, onde encontrou as famílias. Ela relatou o momento em que acompanhou a lista dos nomes das vítimas e das vezes em que teve que largar o microfone para amparar mães cujos filhos foram mencionados. "Por diversas vezes eu encostava no Ernesto [câmera] e dizia: Não grava, não vamos gravar isso. Era além da dor, não precisava mostrar", relembrou.

Apuração jornalística

Nos dias que sucederam a tragédia, foram muitos os jornalistas que seguiram em Santa Maria não apenas para acompanhar os desdobramentos do caso, mas em busca de informações que pudessem contribuir com a investigação. Nilson conta que havia várias frentes cobrindo o acontecido, mas ele destaca principalmente a frente investigativa.

Em sua apuração, o editor conseguiu descobrir, entre os processos de fiscalização, que duas secretarias da prefeitura tinham visões diferentes sobre a regularidade da boate. Uma havia solicitado a interdição do local, enquanto a outra liberava o funcionamento. "A gente levantou uma série de questões que até hoje são contestadas", declarou.

Desabafo

Em coberturas como essa, as faces emocional e profissional entram em conflito. Enquanto uma quer desabar, a outra segue na sua função de entregar a informação para o público. Para Danton, o momento mais difícil da cobertura foi exatamente uma semana após o ocorrido- tempo em que ele também estava longe de casa, quando viu um grupo de jovens se reunir na frente da Boate Kiss para cantar.

Flávio tem registrado em sua memória o velório coletivo, que ele descreveu como "marcante e violento". Na época, pensou que seu filho, com 15 anos, poderia estar entre as vítimas. Gabriela se deixou desabar quando voltou para casa e encontrou os pais. Mas mesmo com o desabafo, a aflição ainda a acompanhou por muito tempo.

A mediadora Márcia também compartilhou a sua experiência, relembrando o último dia na cidade, enquanto assistia à missa de sétimo dia. "Eu sabia que eu já estava saindo de Santa Maria, então foi um momento em que eu chorei tudo o que eu tinha para chorar", relatou. Para Nilson, o impacto de tudo o que foi presenciado foi sentido enquanto dirigia para Porto Alegre, quando foi obrigado a parar o carro e descer para lamentar na sombra de uma árvore. 

Relatos dessa angústia vivida pelos repórteres são corroborados pela fala de Flávio, que foi categórico ao afirmar: "Ninguém que saiu de Santa Maria foi embora igual a como chegou."

Comentários