Ana Cristina Rosa: Não sabendo que era impossível, foi lá e fez

Mulher, negra, bonita e competente, a jornalista se sente realizada e orgulhosa de ter chegado até aqui

Roberto Jaime/TSE

Quem hoje se espelha e admira a mulher forte, determinada e excelente profissional que a assessora-chefe de Comunicação do Conselho de Justiça Federal e colunista de opinião da 'Folha de S. Paulo', Ana Cristina Rosa, se tornou, não sabe o que ela teve que abrir mão para chegar onde está e conquistar tudo. Foi preciso muita coragem e força de vontade para, aos 24 anos, deixar a casa dos pais, o ex-jogador de futebol amador e servidor público da extinta Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), Jorge Alberto da Rosa, falecido, e a dona de casa e doceira Celi Machado da Rosa, e aceitar a proposta para integrar o time de jornalistas do 'Estadão', na capital paulista. 

A decisão acabou gerando a maior confusão com seu pai, uma vez que ele ficou superbrabo e, por isso, passou dois anos sem falar com a jornalista, que dá voz a outras mulheres na Página 2 da 'Folha de S. Paulo'. "Foi bem complicado. Eu ligava para casa e quando ele atendia, dizia: 'Celi, é tua filha', e não falava comigo. Depois passou, voltamos a nos falar e ele ficou orgulhoso da profissional que me tornei", relembra.

Integrante do Conselho Consultivo do Instituto Palavra Aberta e coordenadora regional da Associação Brasileira de Comunicação Pública - (ABCPública), ela nasceu em 14 de dezembro de 1969, em Porto Alegre, e tem saudades de um tempo que não volta mais. Das correrias pelas ruas e prédios no bairro Menino Deus, onde morou até os 10 anos, e das brincadeiras com os amigos nas ruas do bairro Cavalhada, para onde se mudou logo depois.

Além de ter a liberdade de poder brincar solta e fazer da rua o seu quintal, também gostava de ouvir música deitada na cama, ao lado da avó paterna, dona Francisca. "Eu gostava especialmente de ouvir um disco da Claudia Barroso na vitrola que minha avó mantinha no quarto. Eu era bem apegada a ela e ela a mim. Morreu quando eu tinha apenas sete anos, mas guardo muitas memórias boas com ela", emociona-se.

Comunicação Pública

Jornalista formada pela PUCRS, em 1990, fez ainda um curso sobre Moda em 2004 e uma série de especializações em Gestão Pública. Porém, se não fosse jornalista gostaria de ter se formado em Direito - inclusive, chegou a cursar seis semestres, mas engravidou do segundo filho e nunca mais voltou. Teve sua primeira oportunidade no Jornalismo como estagiária de Produção do programa Palavra de Mulher, da extinta TV Guaíba. Depois, foi assistente de Produção no SBT.

Fez um teste para rádio Guaíba antes de um feriado de Páscoa e foi viajar para a praia de Cidreira com os pais. Lá, sua mãe recebeu a ligação de uma amiga lhe dando parabéns pela filha estar trabalhando na emissora da Caldas Júnior, uma vez que havia ouvido um boletim dela no ar. Quando voltou à Capital, foi chamada para começar a trabalhar na reportagem da rádio. Nos três anos que foi repórter da Guaíba, aprendeu a improvisar, fazer enquetes ao vivo na rua, além de ter tido a sorte de trabalhar com excelentes profissionais. 

Alertada por um colega, inscreveu-se para a vaga de trainee do Estadão e foi selecionada. Após três meses, acabou o curso e, já de volta a Porto Alegre, recebeu um convite para integrar oficialmente o time de jornalistas do impresso paulista, o que gerou toda aquela confusão com o pai.  "Foi um início de carreira de sucesso, pois esta saída de Porto Alegre me abriu portas para diversas outras oportunidades, porém tive que me manter forte e bem firme para seguir em busca dos meus sonhos", compartilha. 

Teve passagens ainda pela Revista Elle e em projetos especiais da editora Abril, e foi editora-assistente da Revista Época, da editora Globo. Casou em São Paulo, e quando o filho mais velho estava com sete meses, voltou a morar em Porto Alegre. Na capital gaúcha, foi assessora coordenadora de imprensa da Casa Civil; coordenadora de Comunicação do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4); assessora de imprensa do Tribunal de Justiça (TJRS).

Também foi assessora de comunicação da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR); coordenadora de comunicação da Secretaria do Estado do Esporte e Lazer do RS, e assessora parlamentar da Assembleia gaúcha até a ida para Brasília, a convite da ministra Rosa Weber, para trabalhar nas eleições de 2018, como assessora-chefe de Comunicação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Com esta oportunidade, teve o momento de maior satisfação na carreira ao ganhar o prêmio Inovare, considerado o Oscar do Judiciário, em 2019, com o projeto TCE contra Fake News, feito em que foi a primeira vez que um projeto de comunicação foi premiado. Servidora pública concursada da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, está cedida ao Conselho de Justiça Federal, em Brasília, e é muito grata por isso. 

Uma formiga

Da relação de 28 anos com o também jornalista Hélio Gama Neto, nasceram os dois motivos de orgulho dessa mãe-coruja, os estudantes Matheus, de 19 anos, e Lucas, de 14. Há um ano e meio é também mãe de pet, um vira-latas chamado Doki, nome dado pela semelhança com o personagem de desenho animado Doki, da Discovery Kids, que tem uma mancha preta em um dos olhos. 

Nos dias de folga, gosta de ir ao cinema, comer doces, visitar cafeterias, estar na companhia dos amigos e ir a algum barzinho com música ao vivo, de preferência com samba de raiz, MPB e Pop acústico. É apaixonada pelo Internacional, a exemplo do irmão mais novo, Francisco, o Chicão. Conta, também, que praticou ginástica rítmica quando criança, mas atualmente só faz academia por questões de saúde. "Não sou muito fã de exercícios, mas depois que acabo os treinos, me sinto superbem", confessa. 

Da culinária, apesar de gostar bastante de churrasco e tortéi, a comida favorita é o picadinho com moranga feito pela mãe Celi, acompanhado de um arroz com feijão. Entre os doces, não resiste a um bom sorvete e é capaz de trocar o almoço pela sobremesa. 

Traça de livros

Em sua rotina matinal está a "leitura dinâmica" dos jornais Folha de São Paulo, O Globo e Estadão. Quando se levanta para tomar o café, liga a TV para ficar ouvindo o noticiário e, em alguns dias, ainda escuta podcast, como 'Café da Manhã' e 'O Assunto', enquanto toma banho. Além disso, a literatura negra, com autores pretos e temática sobre as mulheres estão entre os de cabeceira, uma vez que são tópicos sobre os quais ela escreve em sua coluna semanal. Para ela, é importante falar desses assuntos por entender que é uma maneira de chamar atenção para eles constantemente.

Participou do projeto da Folha intitulado "200 anos, 200 livros", para o qual foi montada uma relação das 200 obras mais importantes para entender o Brasil, a partir de sugestões de historiadores, sociólogos, antropólogos, romancistas, economistas, juristas, entre outros profissionais - a grande maioria do Brasil, mas também alguns representantes de Portugal, Angola e Moçambique. "Eu tive a felicidade de ter minhas três indicações entre os 10 primeiros mais indicados", orgulha-se. 

As obras indicadas por Ana foram 'Quarto de despejo', de Carolina Maria de Jesus; 'Um defeito de cor', de Ana Maria Gonçalves; e 'Capitães de Areia', de Jorge Amado.

Passado e futuro

Entre os planos para o futuro está escrever ao menos um livro e, quem sabe, ter uma experiência em televisão, já que nunca esteve à frente das câmeras, apenas nos bastidores, e este é um desejo não realizado até agora. Apaixonada por viajar, conta que teve a oportunidade de fazer a viagem dos sonhos ao Leste Europeu e, também, um cruzeiro pelo Caribe, quando escreveu para o caderno de Turismo do Estadão. "Foi uma experiência espetacular", garante. Mas ainda quer fazer um safári pela África, conhecer o Egito, a Espanha, a Grécia e a Itália. 

Entende que ninguém faz nada sozinho. Por isso, considera-se fruto de uma construção coletiva e tem muitas referências de pessoas sem as quais não seria a mulher e a profissional que é hoje. A começar pela mãe, a dona Celi, sempre pronta para cuidar dos outros, que nunca pisou numa escola, mas soube o enorme valor da educação e não poupou esforços para garantir que ela e o irmão tivessem formação universitária. O pai, Jorge, que cuidou da família, ensinou o valor da honestidade, da lealdade, da amizade, do trabalho, e a importância de uma boa reputação, "sobretudo para quem é negro e não nasceu em berço de ouro", completa Ana.

A madrinha Mercedes Felisberta da Silva e as tias Odete e Virley da Silva, que sempre tinham uma palavra doce para lhe dizer, por mais dura que fosse a situação, a incentivaram a seguir em frente. A avó, Francisca Rosa da Silva, alimentou sua autoestima e ajudou a acreditar desde muito cedo que o seu futuro não estava predeterminado.

Profissionalmente, é grata a muitas pessoas e não quer cometer injustiça com todos os que acreditaram nela quando ninguém quis, mas destaca o jornalista Elio Gaspari, a quem considera um ícone do jornalismo brasileiro, conhecendo-o em uma cobertura que fez pela Rádio Guaíba no interior do Estado, na década de 1990, e que, meses depois, a indicou para trabalhar na editoria de política do jornal O Estado de S. Paulo. "Ele foi meu cartão de visita para entrar no mercado do centro do País", conta. Também o jornalista Rui Xavier, coordenador de Política do Estadão na época em que começou a trabalhar no jornal. "Rui é um chefe que se tornou amigo da família", vibra.

Definindo-se como inquieta, exigente e criativa, diz que entre seus defeitos está o fato de ser super-sincera, mas que, ao mesmo tempo, vê este traço da sua personalidade como uma virtude. Quando olha para sua história, de onde veio e onde está, sente-se realizada e orgulhosa de ter chegado até aqui. "Para quem já ouviu algumas barbaridades no começo da carreira, chegar a ocupar os espaços que eu já ocupei não só é uma grande conquista, mas também uma prova de que raça, beleza e classe social não definem ninguém", decreta. E assim vai seguindo, com foco, força e fé, impulsionada pela frase que leva para vida, do poeta francês Jean Cocteau: "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez".

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