Beth Corbetta: Das telas e do povo

Com a trajetória dividida entre a televisão e o serviço social, a jornalista encontrou as melhores coisas naquilo que não se pode comprar

Elizabeth Corbetta

"Sabe por que eu gosto mais ainda de ti, vovó? Porque você deixa as pessoas felizes e ajuda a aprenderem mais". A frase escolhida para iniciar essa história surgiu da inocente percepção de um adolescente de 13 anos que, de forma simples, conseguiu resumir em poucas palavras a trajetória de 72 anos de uma jornalista que se entrega de corpo e alma a tudo aquilo que se dispõe a realizar. Ramiro, o autor da sentença, é neto de Elizabeth Corbetta, cuja história ditará o rumo deste texto daqui por diante.

Nascida em uma Porto Alegre de 1950, Beth, como é mais conhecida, trilhou seu caminho pela Comunicação com os diversos percalços naturais da época e da sua condição de "ser mulher", mas nada a fez perder de vista o mais importante: o público. Embora suas primeiras experiências dentro do Jornalismo tenham sido na televisão, ela se encantou pelo trabalho social e voltado à Cultura. Essa paixão rendeu bons frutos, não apenas para aqueles que foram beneficiados pelo seu empenho, mas para si mesma. Ela reconhece que a satisfação em fazer parte de projetos tão benéficos para a sociedade é algo que "não se compra".

Beth teve, e ainda tem, a vida recheada de tudo aquilo que não é possível ser precificado. "Eu digo que o maior patrimônio que uma pessoa pode ter são as relações que ela estabelece ao longo da vida. Graças a Deus, sou bem rica nisso", diz. Na rede de amizade, alguns nomes se destacam: José Antonio Vieira da Cunha - o "Vieirinha" -, José Luiz Fuscaldo, Luiz Fernando Moraes e Rosvita Saueressig Laux. Contudo, sem tirar o merecimento dos citados até aqui, outras duas grandes influências trouxeram as maiores mudanças pessoais e profissionais que a jornalista teve: Cézar Busatto e José Fogaça.

Do oceano às vilas

Sem nunca ter explorado o rádio ou o impresso, Beth é filha da televisão, veículo que experimentou pela primeira vez na extinta TV Guaíba. Mas essa história poderia ter sido diferente, visto que, aos 19 anos, optou pelo curso de Letras, um caminho natural para a filha da professora Maria de Lourdes - ou Luli, como também era conhecida. "Mas não era minha praia", revela. Então, decidiu colocar em prática os ensinamentos paternos do seu Guido: aventurou-se. Com 29 anos, retornou às salas de aula da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) para estudar Jornalismo. Dessa vez, ela não encontrou apenas a sua "praia", mas um oceano inteiro de possibilidades.

Do ingresso na produção da TV Guaíba em 1979, Beth escalou rapidamente até o posto de diretora de Produção. Ao mesmo tempo, atestava o dom para a gestão ao assumir a chefia de Programação da TVE. Na segunda emissora, chegou a se tornar chefe de Esportes - e acredita que tenha sido a primeira no Brasil -, em uma manobra política e machista do seu gestor, após ter feito uma campanha para Pedro Simon. "Disseram que eu não era confiável politicamente e me deram a chefia da editoria esportiva, dentro da premissa de que mulher não entende nada. Só que eu entendia!", conta a gremista apaixonada.

Porém, perceber que tinha o poder de melhorar a vida de outros foi uma verdadeira virada de chave: "Eu digo que o Busatto me seduziu pela área social e o Fogaça foi quem me transformou em um ser político". Por volta dos 50 anos, despediu-se das telas e passou a se dedicar à oferta de cursos profissionalizantes em comunidades de Porto Alegre, sempre muito bem acompanhada do seu bom e velho amigo, o Jornalismo. "Para trabalhar em uma vila, você tem que saber se comunicar e perguntar o que as pessoas precisam. Não podemos achar que somos nós que sabemos", ensina. Na primeira gestão de José Fogaça, tornar-se chefe de gabinete da primeira-dama Isabela ainda lhe garantiu respaldo para seguir em frente.

Foi nessa experiência que recebeu do então prefeito a tarefa da qual mais se orgulha: coordenar o projeto das creches comunitárias de Porto Alegre. Beth contou que governos anteriores haviam prometido, por meio do Orçamento Participativo, 38 instituições de educação infantil para a população, "mas, em 16 anos, só haviam sido construídas três". Então, a jornalista vestiu a camisa, abraçou a causa e foi à luta. O resultado? Em pouco mais de seis anos, a Capital tinha 52 novas creches, quase todas com capacidade para 120 crianças. "Cada uma que era inaugurada me enchia de emoção. Estar em um cargo público é poder proporcionar esses avanços para quem precisa", pontua.

Disaster Cases

Infelizmente, o trabalho social encontrou alguns percalços em 2016. O primeiro deles foi quando decidiu se candidatar a vereadora de Porto Alegre, embora soubesse que a natureza do ofício não era voltada à execução, como gostava, Beth queria fazer a diferença. "Queria estar lá, para que, quando algum projeto surgisse e dissessem que não dava para fazer, eu poderia intervir e mostrar que podia ser feito. Era esse poder que eu queria", justifica. Mas com uma campanha sem investimento em publicidade, os 982 votos que conquistou não foram suficientes. "Achei que, com os projetos coordenados e as relações estabelecidas nas comunidades, eu conseguiria, mas concluí que a Política não me quer", alega.

A segunda rejeição do universo político veio seis dias após a posse de Nelson Marchezan Júnior como prefeito da Capital, que saiu vitorioso no mesmo pleito que Beth havia perdido. "Ele não quis me aproveitar no governo dele e, considerando as minhas contribuições, acho que fui demitida de uma maneira muito descortês: pelo Diário Oficial", comenta. Porém, a jornalista também não deixou barato. Embora tenha o costume de sempre ver o copo meio cheio, seus 65 anos da época lhe garantiam a medida certa de uma elegante acidez. "Me dei ao trabalho de acessar o banco de talentos do Marchezan, relatar tudo o que tinha feito e questionei se aquele site realmente era de verdade, pois, se fosse, seria chamada ao menos para conversar", diverte-se, ao narrar a afronta, mas complementa: "Teria somado, dado continuidade aos projetos".

Das outras atuações que lhe renderam momentos inusitados, Beth também destaca o trabalho no setor de Marketing e Comercial da extinta marca de calçados Czarina, que pertenceu à sua família. Com a quebra da companhia em meados dos anos 1990, foi convidada pela Rede Mundial de Empresas Familiares para palestrar em uma conferência na Dinamarca. O nome do painel? Disaster Case - ou Caso de Desastre, em tradução livre. "Fui chamada pois tinha como contar um exemplo de mau encaminhamento de sucessão na área", recorda a situação, com bom humor.

Resiliência

Apesar da dupla derrota política, não tardou para voltar a contribuir com Porto Alegre, como diretora do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa. Em outubro de 2017, recebeu em suas mãos uma instituição que havia dois anos não recebia o público, sem acessibilidade e com diversos problemas estruturais. "Era o quadro da dor", recorda. Novamente, arregaçou as mangas e, em maio de 2018, conseguiu reabrir. Uma das grandes sacadas foi negociar a vinda do Museu Itinerante de Futebol: "Tem tudo a ver com Comunicação". Em contrapartida, a organização da exposição esportiva reformou todo o piso térreo.

Foi assim que conseguiu atrair estudantes que, no momento em que terminavam de conferir as peças do Museu do Futebol, eram convidados para conhecer o resto do Hipólito. "É assim que você instiga e desperta a vontade de frequentar um museu", revela. Outra mostra realizada que a marcou foi a homenagem que montou a José Antônio Daudt, ao completar 30 anos da morte do radialista, deputado e grande amigo. "Não fiz a exposição para falar da morte dele ou daquele crime, mas para mostrar quem ele foi: um homem que estava muito à frente do seu tempo", defende.

Beth foi a última pessoa a estar com Daudt. "Estávamos jantando no Plaza São Rafael, ele me deixou em casa e foi embora", relatou. Naquela noite fria de quatro de julho de 1988, ele foi assassinado por dois disparos de espingarda, logo após descer do carro para entrar em casa. "Depois, a imprensa queria falar comigo. Estava do outro lado do balcão no momento mais difícil da minha vida", conta. 

Da família, do mundo e dos museus

Para quem chega aos 72 anos, as dores das perdas pelo caminho são inevitáveis. No entanto, para além do trabalho, o acalento da rotina de Beth é a família e, especialmente, os netos - até os peludos. Ramiro, o adolescente já conhecido lá em cima, e Carmela, de nove anos, são a prole do primogênito, Filipe, enquanto o filho mais novo, Gustavo, é pai de Ana Laura, que recém deu os primeiros passos na casa da avó. Quem fecha o esquadrão da bagunça é a Bolota - ou Bolotinha -, uma buldogue francesa que entrou na vida da jornalista em março de 2020 como uma grande companheira no isolamento social.

O período pandêmico foi uma verdadeira prova de fogo para uma mulher tão hiperativa. "Comecei a caminhar em torno de cinco quilômetros por dia dentro de casa, subindo e descendo as escadas", relata. Encontrava alívio ao ir para Torres, pois podia caminhar na rua sem o risco de uma aglomeração. Além das idas à praia - até mesmo no inverno -, divide seu tempo com a jardinagem, a culinária e as séries escandinavas, que admira por exibirem culturas diferentes. Teve a oportunidade de conhecer, além da Dinamarca, Estocolmo e os Países Bálticos. "Qualquer banco de horas e milhas sobrando eu vou. Estou morrendo de saudade de conhecer novos lugares, culturas e pessoas. É o melhor que tem", afirma.

Porém, com a chegada recente à diretoria do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, a convite do prefeito Sebastião Melo e do secretário municipal da Cultura, Gunter Axt, as aventuras internacionais terão que esperar mais um pouco. Há muito trabalho pela frente: "Quando chego em algum lugar, sempre sei o que gostaria de fazer, mas primeiro a minha obrigação é com aquilo que preciso fazer". Modernizar as instalações de trabalho, com computadores novos e wi-fi, além de expandir a área expositiva são as prioridades iniciais. Após isso, a ideia é exibir o máximo possível do acervo, que contém catalogados todos os achados arqueológicos da Capital.

Beth entende que a missão atual é um pouco diferente do trabalho social pelo qual é apaixonada, mas aproveita a oportunidade para levar cultura, conhecimento e mostrar que museus são lugares maravilhosos para se conhecer. É dessa forma que, enquanto tiver saúde e energia, seguirá: "Deixando as pessoas felizes e fazendo elas aprenderem mais", assim como enunciou Ramiro.

Comentários