Christian Jung: Um homem sem cerimônia

Publicitário de formação, foi nos microfones do Palácio Piratini que encontrou a sua voz

Mestre de cerimônias do Piratini, Christian Jung - Crédito: Divulgação

Discreto, bem articulado e dono de uma voz forte, ele demonstra o quanto a profissão o influencia no jeito de ser. Mestre de Cerimônias do Palácio Piratini há 23 anos, Christian Jung é apaixonado pelo que faz. A oportunidade de assumir esse papel chegou de repente. Sem nenhuma pretensão, decidiu participar de um teste para o cargo, realizado no famoso porão do Palácio. Selecionado, era hora da prova de fogo.

Após assistir a alguns eventos, foi convocado para uma reunião entre os governadores dos estados que faziam parte do Sistema Conselho de Desenvolvimento do Extremo Sul (CODESUL-BRDE). Antes do encerramento, foi chamado para ler o documento final, que continha diversas folhas. "Eu não tinha a mínima ideia do que era, se havia palavras difíceis de pronunciar. Fora as leis repletas de artigos com números romanos que necessita, muitas vezes, codificar", ri, ao lembrar.

Depois de ler um número considerável de páginas, o então governador de Santa Catarina, Esperidião Amin, dirigiu-se ao na época governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra: "Olha, acho que não é necessário ler, pois são coisas que a gente já tratou". Logo, recebeu o olhar do governante que soltou a frase: "É verdade, companheiro. Não precisa ler". Ao recordar o momento, imita o mandatário que, na sua opinião, é uma pessoa muito peculiar.

Dali em diante, sabia que estava preparado para tudo que viesse. E, de lá para cá, acompanhou sete gestões. A cada chefe de Estado demonstra um profundo respeito e gratidão pela parceria, que, aliás, aponta como um dos pontos cruciais para o sucesso do trabalho.

Criar uma conexão é fundamental, na visão dele, que, de forma muito sóbria, ressalta: "Conexão não significa intimidade". O mestre de cerimônia destaca que respeito é premissa básica de ambos os lados. A união da base de conhecimento dele como profissional, com a de quem ocupa o cargo, é o que dita o trabalho. "Presto um serviço, portanto, faço tudo aquilo que o governante aceitar. Se, por exemplo, faço algo de improviso, é porque tenho total segurança que aquilo não vai ofendê-lo", destaca.      

Momentos inusitados 

Como em toda profissão, algo sempre acaba saindo do script e virando história para guardar no livro de memórias. Ainda no governo de Olívio Dutra, Porto Alegre sediaria o primeiro Fórum Social Mundial. A cerimônia de abertura da programação seria realizada na PUC. Tudo pronto, subiu ao palco para se posicionar no púlpito, quando, de repente, um grupo que estava protestando invadiu o local. Ao som de uma risada, descreve o momento: "Como não tinha para onde correr, simplesmente pulei do palco". Como resultado da confusão, a solenidade teve de ser cancelada. 

O mestre de cerimônia também já teve a oportunidade de viver seus 15 minutos de fama. Para cumprir uma agenda inesperada, precisou viajar às pressas de helicóptero para uma cidade do Interior. Antes de pousar, o piloto pediu que esperasse um pouco antes de desembarcar. "Ele apontou para uns tufos brancos no céu e disse que eram fogos de artifício. Um grupo aguardava o governador e acreditava que era ele chegando." Quando conseguiu descer, a pessoa que o esperava disse, aliviado: "Ainda bem que guardei uma caixa de foguetes".

Comunicação e criatividade de berço

Filho do saudoso radialista e locutor esportivo Milton Ferretti Jung, lembra com carinho dos finais de semana em que ele e o irmão, o jornalista Mílton Jung Jr., o acompanhavam na Rádio Guaíba. "Costumo dizer que me criei num mundo de vozes potentes", ressalta. Por influência do pai, que também trabalhou como redator, se formou em Publicidade e Propaganda pela PUCRS, em 1990. Mesmo antes de ingressar na faculdade, já atuava na Comunicação.

A forte ligação com a mãe, dona Ruth Müller Jung, o inspirou a entrar no mercado da serigrafia aos 16 anos. "Ela amava artesanato e sabia fazer de tudo, inclusive serigrafia", recorda. Durante 15 anos, atuou na área, mas com a chegada das gráficas expressas, o trabalho manual perdeu espaço.

Era o momento de tentar algo novo, mas em um terreno bastante conhecido. Assim como o pai, a voz também é uma das suas marcas registradas. Então, decidiu encarar um novo desafio: seguir os passos do genitor. Para isso, em 1997, realizou o curso de radialista na então Fundação Educacional e Cultural Padre Landell de Moura (Feplam). Finalizado, saiu em busca de emprego. No entanto, encontrou muita dificuldade, já que as rádios eram dominadas por profissionais de muito prestígio e tempo de casa. Ao falar sobre isso com o pai, escutou: "Inclusive eu". 

Quis o destino que o domínio dos microfones o levasse para a Praça Marechal Deodoro. Mas não pense que o fascínio pela locução foi esquecido em uma gaveta. O retorno demorou, mas a pandemia acabou dando uma força para colocar novamente em prática um desejo antigo. Para isso, resolveu montar um estúdio em casa. O investimento lhe rendeu a oportunidade de participar da locução de alguns materiais do Projeto dos 100 anos do Palácio Piratini. Além disso, está nos planos se dedicar à locução comercial, muito praticada pelo pai.

Foi também durante o período de isolamento social que resolveu fazer um curso de dublagem, acompanhado do filho Fernando, de 21 anos, formado em Cinema pela PUCRS. "Foi uma experiência muito bacana e também uma forma de sair da caixinha", salienta. A primeira etapa, dedicada aos desenhos animados, foi finalizada. Já a segunda, aplicada em filmes, ainda não tem previsão para ser concluída.

Um cara caseiro e de família

Muito apegado à família, aprendeu desde a infância o valor de ter uma. Apesar da rotina com muitas viagens e finais de semana de gravação, afirma que o pai sempre foi muito presente. Filho caçula, tem, além de Mílton, a primogênita Jaqueline, professora aposentada. Ligado bastante à mãe, aos 19 anos precisou lidar com sua partida prematura. Aos 55, não sabe o que significa mudar de endereço. A casa perto do Olímpico é a mesma desde que nasceu. Sobre isso, brinca: "Sou um problema psiquiátrico bem grande". 

Confessa que já pensou em sair, mas quando lembra a quantidade de coisas que tem, chega a se arrepiar. "Sou muito acumulador e, certamente, precisaria de um apartamento de uns 300 metros quadrados para colocar tudo", reconhece. Há 30 anos, divide o dia a dia com Lúcia. A ex-professora atualmente trabalha com transporte escolar de crianças. Cozinheira de mão cheia, transformou a paixão pela gastronomia em negócio. Desde então, elabora e produz cardápios para festas e jantares. 

Claro que não dá para esquecer os quatro membros peludos da família: os felinos Blue e Alfredo, e os caninos Bela (Golden Retriever) e Bia (vira-lata). "Se estou em casa, os gatos ficam todo tempo ao meu redor", conta. 

Vitória: uma vitória diária

Além de Fernando, é pai da Vitória, de 28 anos. A filha é um capítulo à parte em sua vida. A primogênita nasceu com paralisia cerebral e lhe exigiu muita resiliência. "Tínhamos toda uma expectativa e quando vi, os planos mudaram. É um mundo diferente, no qual ninguém por perto já viveu e pode te ensinar como lidar. Acabou que nos tornamos meio que pais de toda a família", desabafa. Além da limitação do lado esquerdo do corpo, Vitória tem dificuldade cognitiva, o que a impede de ser alfabetizada.

Como uma forma de dividir angústias e aprendizados, passou a escrever sobre o assunto e publicar em suas redes sociais. "Procuro, acima de tudo, desmistificar e mostrar como é conviver diariamente com alguém com deficiência em todos os aspectos da vida. Reflito muito sobre isso", comenta. O que mais o incomoda é a forma como o assunto é abordado. "Vendem o mundo da deficiência como encantador. Aquela história que tu foi brindado com um filho nessa condição. Evidentemente que é uma tarefa que você recebeu e precisa cumprir, mas é muito pesada", assegura. 

A maneira como a figura paterna é retratada também o incomoda. Entende que é cultural e que muitas famílias não podem contar com essa presença e esse cuidado, mas que, assim como ele, sabe que muitos assumem de corpo e alma o desafio. Apesar das limitações, Vitória é muito comunicativa e atualmente trabalha em uma farmácia no atendimento ao público. "Isso é importante para ela, pois, além de se tornar útil como cidadã, se sente bem por estar inserida no processo e na rotina do local", relata.

Outro ponto muito respeitado é a vida particular. "A Vitória é noiva de um rapaz com síndrome de Down e a relação deles é muito bacana. Tentamos ao máximo que ela vivencie tudo que qualquer pessoa tem direito", explica. Num futuro próximo, está no plano do casal morar junto.

Liga o som e acelera 

Uma das lembranças mais marcantes da adolescência é a bateria do tio, que ficava na garagem do avô. O fascínio pela figura hippie e controversa para a época inspirou e acendeu o interesse pela música. Com um professor, aprendeu a tocar violão, mas queria o destino que as baquetas fossem parar em suas mãos. "Um dia, o professor pediu se sua bateria poderia ficar um tempo comigo. Foi a primeira vez que, de fato, tive contato com o instrumento. Aprendi a tocar sozinho", destaca, orgulhoso.

O interesse pela música era tanto que acabou montando uma banda nos anos 1980. Inicialmente de rock e funk, a dificuldade de achar um vocalista levou o grupo para o jazz. Nasceu assim a Fissura Jazz Band. "Fomos aprendendo juntos o que era jazz", admite. E, de fato, deu certo. Além de tocarem profissionalmente, chegaram a participar de festivais de música promovidos pelo Theatro São Pedro. Hoje, toca esporadicamente, quando os amigos o visitam.

Mas o coração não bate forte apenas pelo som dos tambores. A maior paixão responde pelo nome de Macfuca. O Fusca 1975 recebeu essa denominação depois que o irmão colou um adesivo da Apple. A gigante da maçã é a responsável pela criação do computador Macintosh. Assim, nasceu o apelido. A relação de amor é tão séria que ganhou um logotipo, um blog e um Instagram para chamar de seu. "Teve um tempo que fiquei mais conhecido pelo fuca do que por mim mesmo", ri, ao rememorar.

Dedicado em tudo que faz, tem como maior objetivo ver a família feliz. "Ainda tenho muitos sonhos. Alguns sei que já não são possíveis realizar, mas há tantos outros que corro atrás todos os dias para conquistar", finaliza.

 

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