Maria Lúcia Patta Melão: Desafios que movem

Prestes a completar 40 anos de profissão, a jornalista e professora é intensa em tudo o que faz e muito dedicada à família

Maria Lúcia Patta Melão - Ilana Xavier/Coletiva.net

Nascida em Cachoeira do Sul, filha do ex-militar Odontino, Maria Lúcia Patta Melão iniciou a vida acadêmica no curso de Engenharia Civil da Universidade de Brasília (UnB). O que atrapalhou os planos de se formar foram as quatro reprovações na disciplina de Cálculo I. Foi depois de perceber que precisaria passar para poder avançar nos conteúdos dos semestres posteriores que ela decidiu que mudar os rumos seria a melhor opção. "Juro que tentei, de verdade, mas o tal do cálculo me matou", reforça, bem-humorada. 

Na época, por ser estudiosa durante o período escolar, o pai não apoiava o desejo da filha de cursar "só Jornalismo". Apesar disso, ela tomou a decisão de vir para Porto Alegre e contrariar o patriarca. E foi trabalhando 8h diárias como ficharista no extinto Montepio da Brigada Militar e morando na casa dos tios que ela concluiu a vontade de ser jornalista. "Formei-me em 31 de dezembro de 1980", rememora, orgulhosa. 

Com o sentimento de que não mudaria nada em sua trajetória, a profissional atenta que é preciso seguir as batidas do coração para escolher um rumo profissional. Em contrapartida, ela acredita que também não é demérito desistir, se for percebido que o objetivo não era o que se esperava. "A vida ensina que muitas situações não são definitivas", explica. 

Atualmente, exercendo a função de produtora executiva  na TVE, emissora onde se encontra desde 2002 e teve a oportunidade de produzir a atração infantil 'Pandorga', Maria Lúcia iniciou a carreira como estagiária do Grupo RBS, no setor que seria uma Assessoria de Imprensa de hoje. Após isso, uma colega de faculdade a indicaria para trabalhar na TV Difusora (hoje Band TV). Por lá ficou seis anos, até surgir a oportunidade de ingressar na Rádio Educadora, da extinta Feplam, o que fez com que ela precisasse dividir seu tempo entre as duas atividades.

Foi em um teste que ela retornou à empresa da família Sirotsky, entrando na TV Gaúcha (hoje, RBS TV). Melão também foi produtora de um programa esportivo, comandado por Rogério Amaral, chamado 'Camisa 10', ao mesmo tempo em que prestava serviços para uma produtora que atendia ao Canal Futura. 

Profissional orgulhosa

Aos 64 anos, considerando-se uma apaixonada pelo que faz, confessa que o amor pela profissão se dá porque acredita na função social, o que possibilita que o jornalista seja uma via, através da qual a sociedade toma conhecimento daquilo que acontece perto ou longe da realidade de cada um. E nesse sentido, afirma que o que a chateia é que alguns colegas usem o Jornalismo de forma deturpada. 

Seu trabalho na TV Difusora é uma das atividades das quais se orgulha, porque foi responsável por tornar o programa 'Bandeirantes Conhece' em uma atração que valorizava o Jornalismo. Na época de sua chegada, a atração era ligada ao setor Comercial e se tornavam conhecidas empresas que pudessem pagar pela visibilidade. O que foi amenizado quando, ao deixarem de ser gravados em estúdio, os episódios passaram a realmente veicular, também, a história das cidades gaúchas.

Outra empreitada da qual tem boas recordações é da época em que, na TV Gaúcha, foi editora do televisivo 'Campo&Lavoura' - além da função para a qual foi contratada, assumia ainda posto de produtora, repórter e âncora. "Éramos em apenas cinco na equipe. Era obrigatório todos fazerem tudo", esclarece. Após seis anos de dedicação, foi demitida com a justificativa de não ter mais o perfil da emissora: "É o que eles dizem para todo mundo", condena.

Docência por destino 

Foi durante uma estadia de 10 meses nos Estados Unidos, a convite de uma prima que cursava doutorado no país, que Melão teve vontade de ingressar no mestrado. O que era uma oportunidade de treinar o inglês, tornou-se assunto para a dissertação escolhida. Pelas conversas que teve com um professor, que tinha a opinião de que os programas brasileiros destinados ao público infantil adultizavam e sexualizavam as crianças, a jornalista decidiu que, ao voltar para Porto Alegre, lutaria pelo desejo de ser mestre. 

Pouco antes de ter o título em mãos , teve a oportunidade de lecionar pela primeira vez. A chance surgiu na Universidade de Passo Fundo (UPF), onde ministrou as disciplinas de Radiojornalismo. "Foi uma experiência muito louca", define, referindo-se ao deslocamento que precisava ser feito para dar conta de sair da TVE após o expediente de sexta-feira direto para a rodoviária, e da universidade direto para a gravação do programa 'Pandorga', no sábado pela manhã.

Um ano e meio depois, a professora se tornou docente na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) Também ministrando aulas da mesma disciplina, desta vez a dedicação era mais intensiva, apesar do deslocamento ser menor. Trabalhando duas ou três vezes por semana na Unisc, as rotinas de viagem se intensificaram. "Eu dormia no ônibus. Na verdade, eu dormia em qualquer lugar", menciona, aos risos. Mais tarde, Melão tomou conhecimento de uma vaga na Centro Universitário Metodista IPA, onde se encontra lecionando até os dias atuais, ministrando Radiojornalismo, Telejornalismo, Redação Jornalística e outras tantas disciplinas.

Conforme analisa, os alunos têm a percepção de que ela é demasiadamente exigente, mas confessa que a rigidez se dá pela vontade de que seus pupilos tenham base para seguir qualquer que seja a área de interesse. "Não sou chata por ser chata. Sou porque acredito no potencial deles", explica. Segundo complementa, esse perfil de professor fez falta em sua formação. Por isso, ela insiste que, durante a graduação, os estudantes já tenham noção do que vão encontrar fora da academia. 

Dedicação à família

Fora os desafios profissionais, Melão enfrentou uma batalha familiar. Com o desafio de cuidar, junto à mãe, Hyeda, da irmã Ana Maria, que descobriu uma doença neurológica degenerativa, há pouco mais de 10 anos ela se viu na situação mais triste pela qual já passou. Falecida em setembro no ano passado, Aninha, como é carinhosamente lembrada pela jornalista, é descrita como sendo uma pessoa iluminada. Segundo ela, a ex-secretária executiva era alguém que alegrava os lugares por onde passava e era o ser humano mais empolgante que conheceu. "Foi triste a ver perdendo o brilho aos poucos", diz, com lágrimas nos olhos. 

Melão morava com a mãe desde 1983, após esta ter passado por uma separação. Hyeda veio de Brasília ao encontro da filha. Apesar do rompimento dos pais, a jornalista conta que nunca houve distanciamento. A família, composta por outros cinco irmãos - além de Aninha, completam a prole Raquel, Maurício, Rodrigo e Luiz Antônio, falecido em 2006 - se reúne por completo em datas comemorativas e, durante o ano, costumam se encontrar periodicamente. 

Autoavaliando-se como chata, exigente, solidária e amorosa, ela garante que a família está acima de tudo. Tia de seis sobrinhos, com cinco sobrinhos-netos, a jornalista afirma que não tem filhos por opção própria. Conforme confessa, houve um período em que se arrependeu da escolha, mas logo percebeu que não teria condições psicológicas de ver um herdeiro crescendo em meio à violência que é assistida diariamente. "Amo crianças, mas não teria estrutura para ver uma parte de mim nesse mundo. Eu ia morrer de preocupação", analisa. Muito ligada também aos primos, Melão rememora que foram unidos desde a infância e são um suporte mais próximo, tendo em vista que seus irmãos se dividem entre Santa Catarina e Brasília. 

Críticas e o amanhã

Com um carinho especial pelo filme 'Todos os homens do Presidente', cita a investigação e os insigths como sendo o que mais lhe marcou na produção. "Como é que aquele cara se dá conta de que tem algo errado?", comenta, recomendando a película. Segundo ela, são as características do personagem que deveriam ser retomadas pelos colegas de profissão. "Sair da redação, fazer perguntas olho no olho, sem medo de enfrentar", sugestiona, criticando o modelo de entrevistas pelo WhatsApp e e-mail. "Isso não é Jornalismo", sentencia. 

Fã de da banda de Rock norte-americana AC/DC, da qual ela fez questão de apresentar uma das músicas, e descendente de Italianos, Melão tem por objetivo conhecer a cultura do país de suas raízes. "Mas quero viajar bastante. Quero ver de perto especificidades e a história do maior número possível de lugares", planeja. Conforme menciona, seu objetivo, no início da vida profissional, era trabalhar com Jornalismo Internacional. Hoje em dia, ainda sedenta pelos desafios que a Comunicação proporciona, ela garante que agarraria as oportunidades, assim como fez durante toda a sua carreira. "Quero continuar. Não me vejo aposentada, sem uma atividade, sem o Jornalismo", garante.

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