Ricardo Gomes: Pura emoção

É nos ensinamentos dos pais e na paixão pela Comunicação que o publicitário encontra motivação para ser alguém melhor todos os dias

Ricardo Gomes - Cesar Lopes

Foi com um largo sorriso que o publicitário Ricardo Gomes começou a dividir um pouco da sua história. O guri de Dom Pedrito sempre quis Comunicação e, mesmo assim, encarou primeiro o Direito, porém, após alguns semestres, fugiu, literalmente, da sala de aula. No terceiro ano da faculdade, entregou uma prova em branco. Com espanto, o professor perguntou por quê, já que Ricardo era um bom aluno. "Falei que aquilo não era para mim. Ele disse para eu tomar um café, voltar e responder que fosse duas questões, pois era suficiente para passar. Nunca mais voltei", ri, ao contar. Dali, foi direto para casa comunicar aos pais a sua decisão.

Ao chegar, conversou com a mãe, dona Nilda, que o mandou falar com o pai, uma vez que era ele quem pagava as mensalidades. Com muita sinceridade e sabedoria, seu Quintilhano disse que não entendia a serventia da Publicidade, pois, se o produto era bom, vendia-se sozinho, mas completou: "Filho, tu nasceste com uma obrigação, a de ser feliz. Se tu fores advogado, ganhar milhões, mas fores infeliz, a vida do pai não terá sentido. Por outro lado, se não ganhares nada como publicitário, mas fores feliz, cumpriste tua missão no mundo. Então, vai fazer o que queres", lembra Ricardo, emocionado.

É com muito orgulho e admiração que Ricardo fala de seus genitores. Filho temporão, seu pai tinha 54 anos quando ele nasceu. Aos 38 anos, dona Nilda estava entrando na menopausa, mas, ao sentir um desconforto abdominal, desconfiou que pudesse estar grávida e procurou o médico, que lhe disse que isso seria impossível, o que ela tinha, segundo ele, eram gases. Com dois irmãos, Rosane e Ronaldo, 10 e nove anos mais velhos, respectivamente, o futuro publicitário se transformou no centro das atenções. "Meu pai me acordava todos os dias, aí eu dizia que ia dormir mais 15 minutos e ele voltava com o café", comenta, com carinho.

Um espírito de luz

Uma infância e adolescência amorosas dentro de casa, mas muito difícil da porta para fora. Encarar a homossexualidade no Interior não foi fácil, as humilhações diárias por parte dos colegas e professores deixaram marcas profundas. "A vida na minha casa era perfeita. Meus pais eram meu porto seguro. Tinha a impressão que, se deitasse a cabeça no colo deles, qualquer problema ia embora", emociona-se ao falar. Como forma de evitar que o filho apanhasse mais, todos os dias seu Quintilhano o buscava no colégio.

O laço que já era forte entre a dupla intensificou-se durante os meses em que o pai esteve doente. Entre tantas conversas, Ricardo guarda uma em especial, que veio a entender anos depois nas sessões de terapia. "Aos 16 anos, ele me disse que a única coisa que o magoaria seria ter um filho desonesto, que o resto não importava. Perguntei por que ele estava me dizendo aquilo, ele só me olhou e disse: 'Por nada'. Ele sabia o que estava acontecendo e sentia orgulho de mim. Meu pai foi um espírito de luz que me guiou aqui na Terra", declara. Seu Quintilhano faleceu três meses depois, vítima de um câncer.

Ser publicitário no Interior

Ricardo se enxergava diferente dos conterrâneos e sempre acreditou que a publicidade era o seu destino. "Cresci ouvindo que Direito era a melhor profissão e que fazer um concurso público, o caminho certo a seguir. Então, imagina o quão absurdo era dizer que queria ser publicitário?", recorda. Com a morte de seu Quintilhano, os recursos em casa ficaram escassos e a troca de curso foi adiada. Na mesma época, o publicitário foi convidado para ser presidente da Juventude do PDT, o que mudaria os rumos da sua trajetória.

Getulista assumido, seu pai manteve uma ligação direta com a política, sendo filiado ao PTB e, depois, ao PDT. Ricardo também já havia sido representante distrital pelo Interact, organização ligada ao Rotary, e participou do movimento estudantil no final da redemocratização. Como uma coisa leva à outra, acabou surgindo a oportunidade de trabalhar na campanha do então candidato José Hamilton Quadros Torres à prefeitura e, de quebra, a primeira experiência no mundo da Comunicação.

Prestes a iniciar a corrida eleitoral, a agência contratada não tinha apresentado nada. Então, o candidato perguntou a Ricardo se ele não poderia produzir as peças, já que o que ele dizia fazia mais sentido do que as propostas da empresa contratada. Respondeu que, apesar da vontade de ser publicitário, não fazia ideia de como fazer, mas topou o desafio e se mandou para a casa de um amigo que tinha computador e internet discada. "Imagina, em 1996, em Dom Pedrito, quem tinha isso era rico!", brinca. Lá, aprendeu na marra a usar o Paint Brush (programa quase precursor das edições de imagens) e elaborou um santinho e o slogan. Isso era sexta-feira e, na segunda, iniciava-se a campanha. "Ele acabou se elegendo e eu consegui voltar à faculdade", completa.

Para ganhar renda extra, durante essa experiência, também trabalhou como repórter no jornal que já assinava uma coluna e, às vezes, participava de um programa de rádio. Veículo que o pai conhecia bem, uma vez que, após se aposentar, no começo dos anos 1960, apresentou um programa de auditório. "Ele não gostava de ver ninguém triste. Então, mesmo que o calouro tivesse cantado mal, ele dava um pacote de erva-mate como prêmio de consolação", ressalta. Ricardo lamenta que seu Quintilhano não pôde estar fisicamente em sua formatura, mas sabe que estava espiritualmente. "A universidade foi muito legal comigo, pois deixaram que a minha mãe, mesmo sem formação acadêmica, entregasse meu diploma. Para mim, esse ato representou meu pai", acrescenta.

De mala e cuia

A decisão de vir para Porto Alegre aconteceu em 2001, após trabalhar em um evento. Percebeu que, se quisesse trabalhar com publicidade, era na Capital que aconteceria. Com a mãe, mudou-se e, durante um tempo, produziu apresentações no Power Point, além de ter trabalhado em uma loja de eletrônicos. Com o atentado às Torres Gêmeas nos Estados Unidos e o aumento do dólar, o estabelecimento fechou e ele foi demitido. A relação de carinho e confiança construída com José Hamilton lhe proporcionou uma aproximação com o deputado Luís Augusto Lara, com quem trabalhou dois anos na Assembleia Legislativa e dois no Governo do Estado, na gestão de Germano Rigotto.

Em 2005, a convite da estilista Flávia Sffair, assumiu como diretor de Marketing da revista Versatille, mas, meses depois, a política mais uma vez o convocou. Agora, o chamado veio por meio do amigo, o jornalista Flávio Dutra, para trabalhar na prefeitura da Capital. Foi lá também que conheceu a publicitária Aline Kusiak, que substituiu Flávio. Sua participação na campanha municipal rendeu o cargo de executivo de contas na agência Paim para atender à prefeitura. Ricardo lembra com entusiasmo e gratidão dessa oportunidade. "Quando pisei na agência pela primeira vez, foi quando me senti publicitário de verdade. Aprendi demais com Fábio Bernardi e Lara Piccoli. Logo após uma reunião, ela me mandou um email dizendo que era de alguém como eu que a conta precisava. Nunca confiei tanto em mim quanto naquele momento", afirma.

Após sair da Paim, ficou três meses desempregado e, com as contas apertando, decidiu tentar a sorte. Mandou um email se apresentando para a então Superintendente Regional da Aliansce Sonae, Luciane Lanção. Mesmo sem ter o costume, ela respondeu dizendo que já não era mais superintendente do Shopping Moinhos, mas que, se ele quisesse, poderiam conversar. "Quando cheguei, ela me olhou e, de cara, disse que não queria saber meu currículo e que eu nem tentasse me vender, pois nem sabia o motivo de ter marcado. Quando disse que era de Dom Pedrito foi a porta de abertura, pois seu pai havia sido casado com uma conterrânea e por isso tinha passado a juventude na cidade. Ficamos quase uma hora e meia conversando sobre a vida", relembra.

Passados uns dias, Ricardo recebeu um convite de Luciane para ir a São Paulo conhecer o diretor de operações da Aliansce, Ricardo Visco, que deixou claro que no momento não havia nenhuma vaga. Após a volta para Porto Alegre, novamente veio uma ligação da amiga e voaram para Blumenau. Lá, conheceu o Shopping Park Europeu, que estava para ser inaugurado, e, dias depois, recebeu a notícia que assumiria como coordenador de Marketing. "Foram noves meses incríveis e intensos. Ficava dividido entre Santa Catarina e aqui. Trabalhei com Moda, que é uma área que adoro. Estive no São Paulo Fashion Week e conheci a Constanza Pascolato", ressalta, empolgado.

Hora da mudança

Após um plantão, Ricardo estava com viagem marcada para passar o final de semana com a irmã, mas, depois de comer um sanduíche, teve uma grave infecção intestinal. Como não apareceu para trabalhar, sua colega foi até seu flat e obrigou a portaria a abrir a porta. Desmaiado no chão, o publicitário foi levado ao hospital. "Decidi que queria voltar para cá e ficar perto da minha irmã. Desde então, nos falamos todos os dias, tenho a chave da casa dela e ela da minha. Meus colegas pediram para eu ficar, mas eu tinha medo de morrer sozinho", desabafa.

O retorno foi direto para a agência K2, do amigo e publicitário Mateus Conceição. Como diretor de Criação, atendeu a clientes do setor moveleiro, construção civil, moda e decoração. Ricardo destaca um trabalho que o levou a conhecer Cabo Verde, na África. Durante 15 dias, visitou 13 ilhas e bateu de porta em porta para realizar uma pesquisa sobre o consumo de arroz. "Vi tanta coisa lá, pessoas passando fome. Voltei modificado, agradecendo ainda mais por tudo o que eu tinha", salienta.

Desde setembro de 2019, atua na prefeitura de Porto Alegre. Inicialmente como coordenador de comunicação do Pacto Alegre e, desde janeiro deste ano, está como coordenador de Publicidade e Marketing. Também teve passagens pela Fundacred e pelo Governo do Estado, e, no meio de tudo isso, ainda se aventurou como empreendedor: "Tive a certeza de que não nasci para ser empresário", analisa.

Na essência

Um católico com forte inspiração espírita. Assim Ricardo se classifica quando o assunto é religião. Com o pai, aprendeu a rezar todos os dias pela manhã, hábito que mantém até hoje, mas é na doutrina espírita que busca respostas mais plausíveis para as questões da vida. Assim foi em relação à morte do pai e da mãe, falecida há 12 anos. Após sofrer um AVC, dona Nilda nunca mais foi a mesma. "Durante os três anos que cuidei dela, ela me olhava e dizia que gostava de mim, mas que estava esperando o Cadinho de oito anos que havia saído para ir à escola e que não voltou mais", conta, emocionado. "Às vezes, sentia muita raiva do Cadinho", completa.

É também na espiritualidade que se apoia para evoluir diariamente como ser humano e para pedir proteção para o Bartolomeu, seu gato Persa. Hipertenso e com problema de coração, o pet já esteve internado muitas vezes e, para o resto da vida, precisará de cuidados especiais. "Além de rezar para Santo Antônio, oro sempre para São Francisco de Assis e agradeço a cada dia que ele está bem", conta.

Caseiro, adepto à alimentação vegetariana, à bicicleta como meio de transporte e à prática de exercício físico, o publicitário vem mudando seus hábitos na intenção de ter mais qualidade de vida. "Durante muito tempo, dei valor a coisas materiais e à estética. Estou em outro momento da minha vida", justifica. Nos momentos de lazer, a leitura e a escrita fazem parte das suas adorações. Já escreveu dois e-books, um, inclusive, comercializado pela Amazon, cujo valor doou integralmente. Ricardo não é ativista LGBTQ+, mas pensa que, no futuro, possa utilizar o dom de escrever para ajudar a conscientizar as pessoas.

Mesmo com tantas pedras e desafios, carrega consigo sempre um sorriso, pois aprendeu com o pai que nunca ganharia nada no grito. "Sou um cara em evolução, que está tentando de alguma forma colaborar para um mundo melhor. Sou alguém que acredita no amor, na vida, em Deus e na força do espírito. Acredito que, quando se tem empatia, tudo pode mudar. Não sei se sou merecedor por tudo que a vida me deu, mas sou extremamente grato", finaliza.

 

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