Correspondentes: a missão de apresentar o Rio Grande do Sul ao Brasil

Bruna Ostermann, Flávio Ilha e Hygino Vasconcellos são responsáveis por levar notícias do Estado para veículos nacionais

Bruna Ostermann, Flávio Ilha e Hygino Vasconcellos - Crédito: Arquivo pessoal dos entrevistados

Em períodos incertos e conflituosos no cenário mundial, como o que é experienciado atualmente na Guerra da Ucrânia, o trabalho dos correspondentes ganha destaque e se mostra essencial. Eles são os responsáveis por, a partir de uma base fixa em determinada localidade, enviar reportagens regulares para as redações dos veículos em que atuam. Contudo, muito além de disputas e grandes eventos internacionais, há profissionais que se dedicam a um trabalho muito mais corriqueiro, mas não menos importante.

Em um país como o Brasil, amplo de forma geográfica e cultural, as redações dos veículos de amplitude nacional - situadas estrategicamente na região central - também dependem do trabalho dos correspondentes para coletar, apurar e transmitir informações de localidades mais distantes. Esse é o papel compartilhado por Bruna Ostermann, Flávio Ilha e Hygino Vasconcellos, que contaram ao Coletiva.net sobre as responsabilidades e os desafios da missão de traduzir o Rio Grande do Sul para o resto do País.

Bruna e Hygino compartilham histórias parecidas sobre o ingresso na função, visto que nunca tiveram o trabalho de correspondente como objetivo, mas não recusaram a oportunidade quando apareceu. Há dois anos na CNN, Bruna admitiu que se empolgou "com a ideia de ser 'a cara do RS' em uma emissora". Hygino também havia trabalhado a maior parte da vida em jornais regionais de Santa Maria, Lajeado e São Leopoldo, antes de chegar a Porto Alegre. Após um período na Zero Hora, recebeu o convite para atuar no UOL. "Eu lembro que deixei o jornal em uma  terça-feira e no começo da outra semana comecei a contribuir para o portal", contou.

A história que mais difere é a de Flávio, que recorreu ao trabalho como correspondente para driblar a falta de oportunidades locais. Na carreira, já atuou como freelancer para o UOL, a Folha de S. Paulo, o Estadão e o Metro, até ser contratado pelo O Globo, em 2013. "Foi a única experiência estável e cotidiana que tive, mas até mesmo os freelas foram muito intensos", explicou.

Qualidade, trabalho árduo e responsabilidade

Diferentes experiências deram aos jornalistas distintas visões sobre os desafios que ser correspondente traz. "Tive receio de não dar conta, mas vejo que tudo é uma questão de trabalhar, dar o melhor e reconhecer os limites", pontuou Bruna, a única dos três que atua em televisão. "O Rio Grande do Sul é um dos estados mais diferentes do que 'se espera' do Brasil. Aqui faz frio rigoroso e neva. A posição geográfica, no extremo sul de um País continental, faz com que tenhamos eventos que não costumam acontecer em outras regiões", completou. Contudo, a jornalista considera que essa diferença faz com que o Estado chame atenção nacionalmente. "Tem suas delícias e seus desafios", ponderou.

Neste sentido, Hygino percebe que a principal dificuldade é compreender, de fato, o que é de interesse do público nacional e o que não é. "Nem sempre o que acontece na tua cidade - mesmo sendo uma capital - tem relevância para uma pessoa que mora do outro lado do País. Leva um pouco de tempo para conseguir esse feeling", contou. Por outro lado, Flávio - que hoje atua como freelancer - não enxerga desafios muito diferentes do trabalho que realiza para veículos locais. "Tem que ter muita qualidade na apuração, ser honesto, saber expressar o que viu e ouviu e se comunicar bem com os leitores", apontou. 

Grandes coberturas

Perguntado sobre a cobertura mais marcante que fez, Flávio é categórico: "Com certeza a tragédia da Boate Kiss". Como correspondente, o profissional foi o responsável por levar as atualizações sobre o incêndio que vitimou 242 pessoas e feriu outras 636 na cidade de Santa Maria, em 2013. "Foi uma cobertura imensa e dolorosa, que nunca mais saiu da minha pele de jornalista", relembrou. Além dessa, também acompanhou a exumação do corpo do ex-presidente João Goulart, em 2013, durante 24 horas - o plantão mais longo que já fez. "Terminou quando estava amanhecendo, não esqueço aquele alvorecer em São Borja, o dia estava muito azul. Colegas aliviados com o término da cobertura, exaustos, mas satisfeitos por acompanharem um episódio da história do País", afirmou nostálgico.

Bruna e Hygino, que atuam na função há menos tempo, vivenciaram os mesmos sentimentos na cobertura da morte de João Alberto, em novembro de 2020, asfixiado por um segurança do Carrefour do bairro Passo d'Areia, na Zona Norte de Porto Alegre. "Foi uma cobertura muito pesada, dias muito tristes", recordou Bruna. "Desde a madrugada tinha gente me ligando, acordei às 6h e engatei o dia todo. Propuseram que alguém me cobrisse, mas pedi pra ficar. Quando se mobilizou um protesto, reconheci que seria difícil continuar sozinha, então chamei um cinegrafista", contou.

Pautado para acompanhar o debate dos candidatos à prefeitura de Porto Alegre na Band RS, Hygino só soube do acontecido na madrugada e conseguiu colocar o primeiro texto no ar às 3h da manhã. "Comecei o dia entrevistando a viúva do João Alberto e depois parti para frente do Carrefour, onde acompanhei o protesto que ocorreu. Devo ter trabalhado umas 12 horas", comentou. A cobertura seguiu nos dias seguintes, com a produção de diferentes matérias sobre o caso. "Consegui também ter acesso a trechos do inquérito policial, o que acabou rendendo vários furos jornalísticos", explicou.

Lidando com a solidão

Mesmo com todas as experiências positivas que ser correspondente traz, a natureza do trabalho ainda exige que, na grande maioria das vezes, seja desempenhado sozinho. Acostumada com a convivência na redação do SBT-RS, onde atuava como repórter antes do convite da CNN, Bruna sente essa solidão de forma mais intensa que os colegas. "Sou altamente sociável, então trabalhar sozinha é um grande desafio. Para debater pautas e falar sobre o trabalho uso o WhatsApp, mas sinto saudade de conviver com outras pessoas", ponderou.

A alternativa encontrada pela jornalista foi alternar o local de trabalho, às vezes na casa da mãe ou do irmão, ou se juntando a algum amigo que também atue remotamente em diferentes locais da cidade para trabalharem juntos. Contudo, atualmente no oitavo mês de gestação, a profissional decidiu priorizar o conforto da casa, "desde a cadeira boa, até o banheiro à disposição". "Mas aí estou acompanhada da minha filha", diverte-se Bruna.

Hygino não se sente incomodado em desempenhar a função sozinho, mas também sente falta de ter contato com mais gente e trocar conhecimentos. "Eu trabalho a maior parte do tempo na tranquilidade de casa. Por vezes, faço alguma pauta na rua ou uma cobertura especial, como quando cobri o Tribunal do Júri dos réus do incêndio na Boate Kiss, no final do ano passado", relembrou. O jornalista ainda considera que um dos pontos favoráveis de ser correspondente é poder "ficar longe de um ambiente de trabalho que possa se tornar corrosivo".

Já Flávio levanta outra questão, pois acredita que a tecnologia é uma grande aliada nesse sentido. "Têm vários grupos trocando informações ao mesmo tempo", justificou. Outro ponto que considera positivo é poder trabalhar em silêncio - quando muito ouvindo rádio -, sem a algazarra das redações. "Não me sinto só em relação ao trabalho. Tá todo mundo on-line o tempo todo", ponderou. Enfim, sozinho sim, mas solitário nunca.

Esta matéria faz parte da série especial 'Correspondentes' do Coletiva.net, que será publicada de 28 a 31 de março de 2022. Na próxima reportagem, será abordado o trabalho dos profissionais que enviam notícias do interior do Rio Grande do Sul para os veículos em Porto Alegre. Não perca!

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